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Anos Obama-Lula estão vivos na mente de nova-iorquinos socialistas

Ex-presidentes são inspiração para jovem candidato negro e socialista que disputará primárias ao Senado dos EUA

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[RESUMO] Lembrança das Presidências do democrata e do petista serve de inspiração para jovem candidato negro e socialista que disputará primárias do estado de Nova York ao Senado dos EUA.

Depois de 20 anos sem pisar nos Estados Unidos, aterrissei em Houston, no espetáculo de pujança que é aquela cidade, centro da ostentação americana rica e armada. Mas esse é um capítulo para depois.

Tratemos antes de Nova York, segundo ponto dessa aterrissagem de impressões do Brasil visto de fora: ali, no bairro do Brooklyn, a despeito do constrangimento para tentar explicar aos estrangeiros o atoleiro político e jurídico em que se encontra o país hoje, foi boa surpresa constatar que o Brasil de poucos anos atrás, identificado como “anos Obama-Lula”, está vivo na mente de nova-iorquinos socialistas e progressistas.

O candidato democrata ao Senado pelo estado de Nova York nas primárias de 2020, Jabari Brisport, 32, comentou sobre aquele período de estreitamento das relações entre Brasil e Estados Unidos: “É uma felicidade que as relações entre os Estados Unidos e o Brasil tenham sido muito melhores nos anos Obama-Lula. Ambos são homens que acreditaram em elevar as condições de vida das pessoas comuns, e tenho certeza de que eles concordavam totalmente nisso”.

Jabari Brisport, que será candidato nas primárias do Partido Democrata ao Senado dos EUA - Reprodução/Facebook

Conheci Jabari Brisport (e qualquer semelhança com o nome de “Barack Obama” pelo inusitado, quase exótico, será mera coincidência; “Jabari” significa “sem medo” em suaili) no Brooklyn, em uma festa de arrecadação de fundos para sua campanha, na casa de Sean Jacobs, professor de relações internacionais e estudos africanos na New School University, e de sua mulher, a cientista política Jessica Blatt, ambos militantes do DSA (Democratas Socialistas da América), movimento de esquerda que apoia candidatos como Jabari e Bernie Sanders (este à Presidência dos EUA pelo Democrata).

Jabari, jovem negro, filho de pai caribenho, nasceu no Brooklyn, bairro de expressiva população e cultura negra. É professor de escola pública, ator e militante político de longa data contra o racismo em Nova York, originariamente do PV (Partido Verde) nova-iorquino.

Derrotado nas primárias de 2017 a uma vaga no City Council (Câmara Municipal) da cidade, Jabari diz que aprendeu a lição de como os pequenos partidos não têm chance na estrutura política de seu país: “Na ocasião, concorri como independente, fora do sistema bipartidário majoritário americano, por acreditar nos partidos alternativos, mas aprendi que tenho mais chances dentro do Partido Democrata, porque aqui nos Estados Unidos os partidos se comportam de modo diferente. As coalizões dentro do Democrata se dão entre as correntes socialistas, progressistas, homens de negócios liberais, ambientalistas etc. Estão todos juntos ali. Outros socialistas foram e estão sendo eleitos desse modo”.

Os principais pontos de seu programa são habitação, educação, transporte, justiça racial, desencarceramento e combate à violência policial. Já tratado como uma estrela em ascensão por grupos de esquerda, Jabari se diz esperançoso por uma vitória: “Candidatos do Partido Verde sempre conseguiram entre 2% e 5% dos votos. Eu consegui a melhor votação em todos os tempos pelo partido: 29%. Daí minha esperança de ter muito mais apoio desta vez”.

No seu comentário sobre os anos Obama-Lula, ele também se referiu à atuação do imperialismo americano na América do Sul e ao tuíte de Bernie Sanders a Lula quando da libertação deste: “Como socialista, me dói pensar no que os Estados Unidos fizeram na América do Sul nos últimos 50 anos, particularmente no que se refere a gerar golpes contra líderes democraticamente eleitos. Para mim foi emocionante ver a troca de tuítes entre Bernie Sanders e Lula quando ele foi libertado, e estou torcendo para que, em breve, nossos dois países possam estabelecer um relacionamento produtivo e progressista”.

O professor Sean Jacobs, 50, um negro sul-africano radicado em Nova York há mais de 20 anos, aprofunda, por sua vez, a análise sobre o significado dos governos de vocação social no Brasil e na América do Sul para a África. Torcedor do Corinthians e velho admirador do jogador Sócrates e da “democracia corintiana”, Jacobs é um entusiasta do papel do Brasil no mundo, e acha que a direita neofascista que tomou o poder aqui vai durar pouco.

“A América do Sul é muito inspiradora para a África ou para africanos como eu, pelo menos, pela habilidade que têm ali os povos de inventar novos tipos de futuro”, diz Jacobs. 

“Assim é no Chile, na Bolívia, no Brasil, no Uruguai, na Venezuela. Eles não estão alinhados com o modo como se pensa no Ocidente ou no Norte, que é de onde a África costuma tirar suas ideias sobre o que é politicamente possível. Para muitos países africanos, é inspirador que, no Brasil, um movimento de origem popular tenha chegado ao poder. Para o meu país, a África do Sul, de longa tradição de luta pela libertação e contra o apartheid e, portanto, de tradição de esquerda, os governos Lula e do PT serviram como exemplo do que é possível quando o poder é assumido pelos sindicatos e exercido no interesse do povo.”

Jacobs, um dos fundadores do site Africa is a Country (africasacountry.com), provavelmente a mais importante plataforma de informação e análise sobre a África fora do continente hoje, apontou aspectos positivos e negativos das gestões do PT no Brasil. 

Os positivos, segundo ele, estavam nas políticas sociais de redistribuição de renda, de oportunidades mais igualitárias de educação para os pobres e os negros, de combate à discriminação racial e de incentivo à participação dos negros na política, de visibilidade dos negros na cena social, entre outras.

Ele acha que aconteceu no Brasil pós-PT algo semelhante ao que se deu na África do Sul depois dos governos de Nelson Mandela: “Embora Lula tenha saído do governo com 87% de popularidade, o erro pode ter sido em não avaliar bem o que será feito por quem virá depois de você. E isso não é nenhum desrespeito a Dilma Rousseff. Quando se tem líderes carismáticos como Lula e Mandela, quer dizer, quando a política passa a ser identificada com a pessoa e não necessariamente com o sistema, aí pode estar o problema da sucessão”.

Para Jacobs, a questão é como realizar a transição, como sair de uma crise sem dar oportunidade à tomada do poder pela direita. “Quando o líder carismático vai embora, a habilidade daquela pessoa para fazer acordos e, ao mesmo tempo, tocar as coisas, se perde. Alguns erros estratégicos foram cometidos pelo PT. Acontece, nesses casos, de se fazerem alianças com grupos que depois vão usar o Estado contra você. Isso é uma lição que se pode aprender também com o caso do Brasil.”

Sean Jacobs vê ainda algumas semelhanças importantes entre a sociedade brasileira e a sul-africana no que se refere ao alto grau de violência urbana e rural, de violência policial, e aos níveis de corrupção endêmica como motivos para que o povo tenha perdido a confiança na política. Cita principalmente os governos de Jacob Zuma (2009-2018) na África do Sul como o ápice dos esquemas de corrupção no país e afirma que o erro do PT pode ter sido também o de não responder as grandes questões sobre quem é o país que se está governando. 

“Ora”, conclui Jacobs, “as classes ricas brasileiras sempre foram de direita, não mudaram de posição. Então, faltou identificar quem eram os líderes deles e para onde estavam indo”. 


Marilene Felinto, escritora e tradutora, escreve na Folha nos dois últimos domingos do mês.

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