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Quem é Jiro Takahashi, criador das coleções Vaga-Lume e Para Gostar de Ler

Aos 76, editor que idealizou esses dois fenômenos do mercado editorial infantojuvenil brasileiro será tema de livro

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Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de "Herói Mutilado: Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura"

[RESUMO] Um dos principais editores brasileiros, Jiro Takahashi transformou o mercado de livros infantojuvenis no Brasil ao idealizar as coleções Vaga-Lume e Para Gostar de Ler, fenômenos sem paralelo em vendas. Aos 76 anos, ele revisita sua trajetória, tema de um novo livro, defende a integração de obras impressas e plataformas digitais para estimular a leitura e critica tendências revisionistas de censura a livros para crianças e adolescentes.

Milhões de crianças e jovens conectados por horas e horas... em livros.

Fenômeno editorial infantojuvenil sem paralelo no Brasil, a série Vaga-Lume, que lançou best-sellers como "A Ilha Perdida", "O Escaravelho do Diabo" e "O Mistério do Cinco Estrelas", é lembrada com nostalgia pelas gerações de leitores que formou ao longo de cinco décadas. Curiosamente, o idealizador desse sucesso, o editor Jiro Takahashi, não é nostálgico.

Aos 76 anos, hoje consultor de editoras, Takahashi tem dois kindles e um kobo para ler livros digitais e fica imaginando as aventuras da Vaga-Lume no mundo das multiplataformas.

Jiro Takahashi, 76, com o livro "O Escaravelho do Diabo", um dos best-sellers da série infantojuvenil Vaga-Lume, idealizada por ele nos anos 1970 - Folhapress

"Joguei games com meus netos para aprender e achei impressionante", conta o editor, que recebeu a reportagem da Folha em seu apartamento no Jardim Paulista, em São Paulo. "São ferramentas que poderiam ser usadas para criar conteúdos multiplataformas de livros para crianças e adolescentes", diz, com brilho nos olhos.

"Cheguei a fazer um projeto assim, de uma brincadeira digital para acompanhar um livro para crianças, mas não foi adiante, não sei se me acham velho para essas coisas", afirma, mais com bom humor do que com traços de ressentimento.

É com essa leveza —cheio de orgulho, mas sem saudosismo— que ele relembra a criação, nos anos 1970, da Vaga-Lume e da coleção Para Gostar de Ler, que lançou na sequência. A série era voltada para o mesmo público e também obteve sucesso estrondoso, com crônicas de autores como Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga e Fernando Sabino.

Detalhes desses projetos e outras passagens da trajetória de Takahashi são narrados por ele no novo livro da coleção Editando o Editor, em preparação pela Com-Arte, da Escola de Comunicações e Artes da USP. A série traz perfis de profissionais que foram referência do mercado editorial brasileiro, como Ênio Silveira, Jorge Zahar e Maria Amélia Mello.

No livro, Takahashi conta que a Vaga-Lume surgiu no contexto de uma reforma educacional feita no Brasil em 1971, que ampliou o ensino obrigatório de quatro para oito anos. Além do antigo primário, da 1ª à 4ª série, os brasileiros passaram a ter também de cursar o ginásio, da 5ª à 8ª série.

Os professores não estavam preparados, lembra ele, e os alunos começaram a pedir indicações de leitura. "Eles não se sentiam mais estimulados por livros como 'Iracema' e 'A Moreninha'", afirma o editor, citando os clássicos da literatura brasileira do século 19 escritos, respectivamente, por José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo.

Takahashi também se lembra de uma nova diretriz da educação daquele período, a de que os professores deveriam dar preferência a autores nacionais em suas aulas. Antes disso, conta, eram muito usadas referências estrangeiras, como "Pollyanna" e "Peter Pan".

Era um cenário de oportunidades para a literatura brasileira, que a editora Ática, onde ele trabalhava, soube aproveitar. O editor lembra que um pouco antes, em 1969, o livro "O Gênio do Crime", de João Carlos Marinho, havia sido lançado pela Brasiliense e se tornado uma febre entre adolescentes, com uma história de aventura e mistério em torno da falsificação de figurinhas raras que rendiam prêmios.

"A maioria dos professores não indicava o livro porque não o considerava politicamente correto. E era justamente por isso que a meninada gostava. Isso acendeu uma luz para nós."

A busca por autores e títulos da Vaga-Lume envolvia não só a equipe editorial, mas também contínuos, recepcionistas, divulgadores e vendedores. Todos davam sugestões.

"Essa busca por autores novos não era comum", conta. "Os autores é que procuravam as editoras, que fugiam deles. A gente quis inverter as coisas."

Foram especialmente preciosas as dicas dos divulgadores, que viajavam pelo país visitando escolas. Havia prêmio para quem emplacasse uma sugestão na série. "Normalmente não há muita interação entre o departamento editorial, o comercial e o administrativo", afirma. "Tínhamos uns 80 divulgadores e, com a ajuda deles, descobrimos nomes que já eram extremamente populares em suas regiões."

Ele lembra o caso de Homero Homem, do Rio Grande do Norte, autor de "Cabra das Rocas", lançado em 1966 e incluído na Vaga-Lume em 1973 —nem todos os livros da série eram inéditos. "Ele já era Deus no Rio Grande do Norte. Não ficávamos só com autores de São Paulo, o que dava diversidade às histórias."

Se, com mais de 70 anos, Takahashi quer mesclar livros e games, aos 20 e poucos estava à frente de um processo revolucionário para o mercado editorial, inclusive aos olhos de hoje. A decisão sobre publicar ou não um livro envolvia a produção de uma amostra da obra com 3.000 cópias em formato de apostila, distribuídas a alunos e professores.

Caso a recepção por esse grupo fosse boa, o livro seria editado —hoje, 3.000 exemplares são a tiragem média inicial de um livro no Brasil, e as obras normalmente são escolhidas pelas editoras depois de uma leitura crítica feita por poucas pessoas.

No caso da Vaga-Lume, os 3.000 alunos liam, faziam resumos e davam notas à história. Bem mais do que a nota, conta Takahashi, o que interessava era o tempo que demoravam para ler a obra. Naturalmente, quanto menor, melhor.

A estratégia deu mais do que certo. "A Ilha Perdida", de Maria José Dupré, estreia da Vaga-Lume, vendeu entre 5 e 7 milhões de cópias, nos cálculos do editor. Ele conta que os primeiros títulos tiveram tiragens iniciais de 60 mil exemplares, rapidamente esgotadas.

O número logo subiu para 80 mil, muitas vezes com reedições no mesmo semestre. Na virada dos anos 1980, com as obras de Marcos Rey, como "O Mistério do Cinco Estrelas" e "Um Cadáver Ouve Rádio", a tiragem passou para 120 mil. Ao todo, Takahashi estima que os livros de Rey na Vaga-Lume venderam de 6 a 7 milhões de cópias.

Também foi inovador o folheto que acompanhava os livros, o Suplemento de Trabalho, com perguntas, charadas e caça-palavras relacionados aos personagens e ao enredo, além de ilustrações que ajudavam os leitores a fazer um resumo da história. O material facilitava o trabalho do professor, o que tornava a série mais atraente para as escolas.

"Hoje, esse suplemento é algo ultrapassado, mas naquela época foi revolucionário", ele diz. "Era um pouco nessa linha do que eu falo dos games, claro que ainda precário, mas de pensar em diferentes formatos para se trabalhar a história do livro."

Essas sacadas também estão ligadas ao fato de que Takahashi, na mesma época em que começou a trabalhar na Ática, se tornou professor do antigo ginásio.

Anderson Fernandes Dias, fundador e dono da editora, exigia que ele seguisse dando aulas para que tivesse um olhar mais crítico como editor. A Ática, inclusive, foi fundada para editar livros didáticos, e nesse segmento começou a carreira de Takahashi. Além de dar aulas, ele visitava escolas para conversar com professores e alunos.

O contato estreito com a educação o ajudou a sedimentar a coleção Para Gostar de Ler, lançada na esteira do sucesso da Vaga-Lume, com tiragens de mais de 100 mil exemplares.

A ideia veio quando recebeu um telefonema do escritor Affonso Romano de Sant’Anna, intrigado com o fato de os livros de Rubem Braga, seu vizinho à época, venderem pouco, apesar de suas crônicas serem muito usadas em materiais didáticos.

A questão era que os livros do autor, bem como os de outros cronistas, não selecionavam as crônicas pensando no público infantojuvenil. Esse foi o pulo do gato da nova coleção.

O primeiro volume, com Braga, Drummond, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, vinha com uma carta assinada por eles e dirigida ao "amigo estudante". "Este livro não tem intenção de ensinar coisa alguma a você", dizia.

"Nem gramática nem redação nem qualquer matéria incluída no programa da sua série", seguia. "Nós só queremos convidar você a descobrir um mundo maravilhoso dentro do mundo em que você vive. Este mundo é a leitura."

Meio século depois e em pleno mundo das dancinhas do TikTok, Takahashi segue confiante nesse caminho para fazer o público infantojuvenil gostar de ler.

"Tendo a ser otimista", ele diz, sobre a relação de crianças e jovens com os livros na era dos celulares. "Mas algumas ações na educação são necessárias. Muitos professores usam livros a partir de um caráter utilitário, avaliando se ensina isso ou aquilo."

É preciso se desligar desse utilitarismo, defende. "As crianças ficam pressionadas por esse uso que é feito do livro, que deveria ser inserido nas aulas de forma instigante, como um desafio para os alunos. É preciso valorizar muito mais a história, a imaginação, a criatividade, porque disso as crianças nunca deixaram de gostar."

Apesar de adepto dos ebooks —cita como vantagens o acesso rápido, o custo mais baixo, a praticidade de buscar palavras nos dicionários e a possibilidade de aumentar o tamanho da letra— , Takahashi diz que o impresso é mais interessante para crianças e jovens, considerando a dificuldade de concentração causada pelas telas.

JANELA ABERTA PARA A LITERATURA

Nascido em Duartina, no interior paulista, filho de imigrantes japoneses, Jiro Takahashi foi criado entre tios ligados às artes, entre eles um poeta, um músico, um pintor e um fotógrafo.

Ganhou na infância uma assinatura do Clube do Livro, criado em 1943, pioneiro no sistema de enviar, a cada mês, um livro diferente a seus sócios.

"Eu lia muito quando era criança e adolescente, até porque a gente não tinha muito o que fazer. Com 12 anos já havia lido todos os livros do Machado de Assis", lembra ele, que também jogava tênis de mesa em nível competitivo nessa época —quase fez parte da seleção paulista, mas teve de deixar o esporte por problemas na visão.

Já na Ática, nos anos 1980, iria atuar em uma tentativa de reerguer o Clube do Livro, adquirido pela editora quando os assinantes mal passavam dos mil —no auge, nos 1950, havia chegado a 80 mil. Na nova fase, chegaria a 18 mil, mas o número voltaria a cair em meio à instabilidade econômica do país.

A carreira de editor teve como impulso o fato de Takahashi, "o japonês", ser reconhecido pelo domínio da língua portuguesa e pela habilidade para redigir bons textos.

A oportunidade chegou quando, no final da adolescência, ele se mudou para São Paulo e se matriculou no recém-criado Curso de Madureza Santa Inês, que preparava jovens para o vestibular. Para produzir o material didático do cursinho, seus proprietários fundaram, então, a editora Ática, na qual ele entrou como datilógrafo em 1966.

Conseguiu uma vaga no curso de direito do Largo São Francisco e entrou para a militância contra a ditadura militar. Em um grupo trotskista, chegou a ter vida dupla.

Com amigos da faculdade, abriu uma editora de esquerda, a Rosa Blindada, que publicou, entre outros, textos de Rosa Luxemburgo, Karl Marx, Leon Trótski e do poeta Vladimir Maiakóvski.

Posteriormente, depois do sucesso da Vaga-Lume e da Para Gostar de Ler, fundaria outra editora, a Estação Liberdade, homenagem ao bairro da imigração japonesa em São Paulo, que depois vendeu e segue em atividade até hoje.

Perto de se formar em direito, em 1970, teve de abandonar a faculdade e a militância, ameaçado pela repressão da ditadura. Decidiu cursar letras na USP, onde fez também mestrado em linguística e semiótica.

Tornou-se professor universitário nessas áreas, sempre conciliando a educação com o trabalho editorial. Atualmente, dá aulas no Centro Universitário FAM e é consultor das editoras Nova Aguilar e Zapt.

Editou recentemente um box com a obra completa de Monteiro Lobato, pela Nova Aguilar. "Fizemos uma edição sem cortar nada, na íntegra. Foi a última edição revista por ele", diz. Conta que não há nenhum texto que não tenha sido escrito por Lobato, nem notas de rodapé dando conta, por exemplo, do debate sobre o racismo nos livros do autor.

O editor lembra que aprendeu na faculdade, com o poeta e romancista Segismundo Spina, a valorizar os originais, preservando-os. Desconfia da tendência editorial revisionista. A questão, ele aponta, não é a obra, mas o uso que se faz dela.

Com Lobato, por exemplo, o leitor pode refletir sobre o racismo. "Não acho que é real acreditar que um livro vai fazer uma geração inteira pensar daquele jeito, ser preconceituosa etc.", afirma.

"O professor é que tem que saber como refletir sobre a obra com os alunos", defende. "Agora, diante da incapacidade de trabalhar um autor, a gente o apaga?"

Nem na ditadura militar, quando lançou a Vaga-Lume e a Para Gostar de Ler, ele se lembra de ter vivido o clima de patrulhamento que a literatura infantojuvenil enfrenta nesses tempos de polarização das redes sociais, com pais, professores, diretores de escola e autoridades das mais diversas banindo livros.

Nesses tantos casos recentes de censura a livros para crianças e adolescentes, opina, "a argumentação é o caminho que está sendo deixado quase sempre de lado".

A "energia do fechamento", ele diz, que busca proteger ou evitar riscos, "não estimula discussões nem permite vislumbrar novas possibilidades no horizonte".

"Não é a censura a determinados livros que irá abrir ou fechar as janelas para melhores ou piores valores humanos", afirma o editor. "O que entra pela janela", ele diz, seguindo em sua metáfora, "pode ou não ser absorvido".

Com um verso do poema "O Vento", de Cecília Meireles, Takahashi resume o ato de ler e sua liberdade: "O vento é o mesmo, mas sua resposta é diferente em cada folha".

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