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O mundo árabe precisa de livre expressão

Região enfrenta sua própria versão da Cortina de Ferro, imposta por forças domésticas que desejam mais poder

Jamal Khashoggi durante entrevista coletiva em Manama, no Bahrein - Mohammed Al-Shaik - 5.dez.14/AFP

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Jamal Khashoggi
Washington Post

Nota de Karen Attiah, editora de Opiniões Globais do Washington Post

Recebi esta coluna do tradutor e assistente de Jamal Khashoggi um dia depois do desaparecimento de Jamal em Istambul. O Post adiou a publicação porque esperávamos que Jamal voltasse e nós dois pudéssemos editar o texto juntos. Agora tenho de admitir: isso não vai acontecer. Este é o último artigo dele que editarei para o Post. Esta coluna capta perfeitamente seu compromisso e sua paixão pela liberdade no mundo árabe. Uma liberdade pela qual ele aparentemente deu a vida. Serei para sempre grata por ele ter escolhido o Post como sua última casa jornalística, um ano atrás, e nos dado a oportunidade de trabalharmos juntos.

 

Estive recentemente na internet examinando o relatório Liberdade no Mundo 2018, publicado pela Freedom House, e cheguei a uma grave conclusão. Só há um país no mundo árabe classificado como "livre". Esse país é a Tunísia. Jordânia, Marrocos e Kuwait vêm em segundo lugar, com uma classificação de "parcialmente livres". O restante dos países do mundo árabe é classificado como "não livre".

Em consequência, os árabes que vivem nesses países são ou desinformados ou mal informados. Eles não são capazes de abordar, muito menos discutir publicamente, questões que afetam a região e sua vida cotidiana. Uma narrativa conduzida pelo Estado domina a psique pública, e embora muitos não acreditem nela uma grande maioria da população cai vítima dessa falsa narrativa. Infelizmente, essa situação provavelmente não mudará.

O mundo árabe estava cheio de esperança durante a primavera de 2011. Jornalistas, acadêmicos e a população em geral vibravam com expectativas de uma sociedade árabe brilhante e livre em seus respectivos países.

Eles esperavam ser emancipados da hegemonia de seus governos e das constantes intervenções e censura da informação. Essas expectativas foram rapidamente destruídas; essas sociedades ou recaíram no antigo status quo ou enfrentaram condições ainda mais duras que antes. 

Meu caro amigo, o proeminente escritor saudita Saleh al-Shehi, escreveu uma das colunas mais famosas já publicadas na imprensa saudita. Ele infelizmente cumpre hoje uma sentença de cinco anos de prisão por supostos comentários contra o establishment saudita.

A apreensão pelo governo egípcio de uma edição inteira do jornal Al-Masry al Youm não causou furor ou provocou uma reação dos colegas. Esses atos não acarretam mais como consequência uma reação da comunidade internacional. Em vez disso, podem provocar uma condenação, rapidamente seguida de silêncio. 

Em consequência, os governos árabes têm rédeas soltas para continuar calando a mídia em ritmo acelerado. Houve uma época em que os jornalistas acreditavam que a internet liberaria a informação da censura e do controle associados à mídia impressa.

Mas esses governos, cuja própria existência depende do controle da informação, bloquearam agressivamente a internet. Eles também prenderam repórteres locais e pressionaram anunciantes para prejudicar a receita de publicações específicas. 

Há alguns oásis que continuam personificando o espírito da Primavera Árabe. O governo do Qatar ainda apoia a cobertura de notícias internacionais, em contraste com os esforços de seus vizinhos para manter o controle da informação em apoio à "velha ordem árabe".

Mesmo na Tunísia e no Kuwait, onde a imprensa é considerada pelo menos "parcialmente livre", a mídia se concentra em questões internas, mas não nos problemas enfrentados pelo mundo árabe em geral. Eles hesitam em oferecer uma plataforma para jornalistas na Arábia Saudita, no Egito e no Iêmen.

Até o Líbano, a joia da coroa do mundo árabe no que se refere à liberdade de imprensa, tornou-se vítima da polarização e da influência do Hizbullah, pró-Irã.

O mundo árabe enfrenta sua própria versão da Cortina de Ferro, imposta não por atores externos, mas por forças domésticas que desejam mais poder. Durante a Guerra Fria, a Rádio Europa Livre, que ao longo dos anos se tornou uma instituição crítica, teve um papel importante em promover e sustentar a esperança de liberdade. Os árabes precisam de algo parecido.

Em 1967, The New York Times e The Washington Post assumiram a propriedade conjunta do jornal International Herald Tribune, que se tornou uma plataforma para vozes de todo o mundo.

Minha publicação, o Post, tomou a iniciativa de traduzir muitos de meus artigos e publicá-los em árabe. Sou grato por isso.

Os árabes precisam ler em sua própria língua para que possam compreender e discutir os vários aspectos e complexidades da democracia nos EUA e no Ocidente. Se um egípcio lê um artigo expondo o verdadeiro custo de uma obra em Washington, poderá compreender melhor as implicações de projetos semelhantes em sua própria comunidade. 

O mundo árabe precisa de uma versão moderna da antiga mídia transnacional para que os cidadãos se informem sobre acontecimentos globais. Mais importante, precisamos dar uma plataforma para as vozes árabes. Sofremos de pobreza, má administração e educação deficiente.

Através da criação de um fórum internacional independente, isolado da influência de governos nacionalistas que espalham o ódio por meio de propaganda, as pessoas comuns no mundo árabe poderiam abordar os problemas estruturais que suas sociedades enfrentam. 

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