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Guerra da Ucrânia China

Economia dita reaproximação tática dos EUA com a China

Países não estão prontos para romper, mas eleição americana deve azedar as relações

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São Paulo

As duas maiores economias do mundo vivem o mais agudo momento de disputa estratégica desde que os EUA abriram as portas para a integração da China ao sistema produtivo global, ao longo dos anos 1970.

Por óbvio, os americanos não o fizeram porque são bonzinhos. O acesso à mão de obra quase gratuita chinesa e a um mercado potencial de mais de um bilhão de pessoas, além da necessidade geopolítica de contrabalançar o peso da então União Soviética na Ásia, moveram suas decisões.

Telão em shopping mostra o dirigente da China, Xi Jinping, cumprimentando o secretário de Estado americano, Antony Blinken, em encontro em Pequim - Greg Baker/AFP

Mas o gênio saiu da garrafa e, desde os anos 2000, passou a tomar feições de assombração. A chegada do ambicioso Xi Jinping ao poder, em 2012, e a consolidação de um regime mais duro, personalista e assertivo foi consequência da musculatura assumida por Pequim em seus anos de milagre econômico.

A Guerra Fria 2.0 foi lançada primordialmente como disputa comercial por Donald Trump em 2017, com a implantação de tarifas pesadas visando a coibir o déficit na relação com os chineses. Depois, virou um embate em todos os aspectos do século 21, da liberdade política de Hong Kong à Guerra da Ucrânia.

Joe Biden, no papel de um antípoda de Trump, só acelerou o processo e apresentou um leque de ações provocativas aos olhos dos chineses: reforçou o apoio à ilha autônoma de Taiwan, robusteceu a aliança Quad com os rivais de Pequim no Indo-Pacífico, firmou um pacto militar com a Austrália e reforçou a retórica nuclear na península coreana. Nesta semana, recebe com pompa o indiano Narendra Modi.

Geopolítica começa com leitura de mapas. Basta ver quem são os aliados em questão (Japão, Índia e Austrália) para notar que tudo tem a ver com manter Pequim sob pressão: suas rotas marítimas, vitais para sua existência, são vulneráveis, e sua projeção de poder militar sobre elas, limitada.

Mas o mundo é mais complexo do que nos séculos 19 e 20, e aí um dado da realidade se interpõe: apesar de todo o azedume, 2022 registrou o maior comércio bilateral da história sino-americana, ultrapassando o recorde anterior de 2018 e a crise natural da pandemia de Covid-19.

Os chineses venderam US$ 536 bilhões aos americanos e compraram US$ 154 bilhões, um déficit brutal. A corrente de comércio equivaleu a um terço do Produto Interno Bruto brasileiro no ano passado.

Isso explica a reaproximação tática entre Washington e Pequim, iniciada pelo ato de contrição de enviar o secretário de Estado, Antony Blinken, ao país asiático após cancelar a visita devido ao bizarro episódio do balão espião derrubado sobre os EUA. E completada pela deferência de Xi, ele mesmo, recebê-lo.

Diferentemente da "détente" (distensão, em francês) promovida pelo então presidente americano Richard Nixon no fim dos anos 1960 com a União Soviética, que visava a dar fôlego político aos EUA em um momento duro da Guerra Fria, a codependência entre as potências atuais é muito grande.

Apesar de toda a conversa de retirar a China das cadeias produtivas, depois do caos da política de Covid zero de Xi, o fato é que os números mostram que nem mesmo a agressiva ação americana para cortar o acesso chinês a chips avançados não alterou o jogo significativamente.

Do lado chinês, a cristalização do poder de Xi com o inédito terceiro mandato de cinco anos auferido em 2022 e a retórica de apoio à Rússia de Vladimir Putin, o pária número 1 do Ocidente, também escamoteiam o fato de que a economia chinesa está em apuros relativos.

Seu crescimento do ano passado, 3%, foi o menor em décadas. A reversão completa de sua política restritiva da pandemia ainda não trouxe uma normalidade logística e, para piorar, seu mercado imobiliário está sob enorme pressão, com o temor de que uma bolha irreversível tenha sido formada —as imagens de cidades novas desabitadas no interior chinês são apenas a superfície brilhante do problema.

Tudo o que Xi não precisa é de uma guerra, mesmo sobre Taiwan, considerada mais ou menos inevitável há anos. Sua iminência, igualmente profetizada, é que talvez mereça considerações. O conflito é muito mais imprevisível do que o entre Putin e a Ucrânia, por exemplo, por teoricamente opor os EUA à China.

Isso não quer dizer que não vá acontecer um dia. Nenhum dos lados têm, a essa altura, meios para conviver num ambiente de sanções análogo ao aplicado pelo Ocidente a Moscou. Mas as lições de 1914 estão aí, quando a globalização de então também deveria impedir uma guerra —e deu no que deu.

Mas por ora a economia, temperada por palavras sóbrias e até duras de ambas as partes, é o que pauta o que importa: canais estão formalmente reabertos. Pode ou não haver algum avanço sobre a questão da Ucrânia, mas isso parece mais condicionado ao desempenho da contraofensiva de Kiev, já que a Xi interessa uma pressão equilibrada sobre o Ocidente. É uma janela de oportunidade: na virada do ano, com a campanha eleitoral pela Casa Branca em 2024 ganhando tração, será quase inevitável ver uma escalada da retórica contra Pequim nos dois lados do espectro político dos EUA.

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