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Claudio Szynkier

'Neofascismo tropical'

Esquerda brasileira deve voltar a Marx como cientista da alma humana

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Claudio Szynkier

Músico, pesquisador e professor de arte

Uma parte considerável da esquerda mundial temeu e rechaçou, por muito tempo, a mera ideia de “alma”. Essa recusa não se deu por motivos fúteis. As lutas contemporâneas e as vertentes marxistas que se ocuparam dos embates centrais nos últimos séculos (revoluções africanas por uma identidade não-colonial, lutas raciais) dependiam muito de uma ortodoxia no realismo da matéria: as injustiças são perpetradas e continuadas por causa de motivos palpáveis e por meio de operações e tecnologias concretas.

A ideia de “alma” também foi deixada de lado, se não negada, porque seus tutores seriam os inimigos e causadores históricos desse circuito fenomenal de injustiças: a igreja tradicional. O corpo é a métrica e a ética triunfante no marxismo. Foi no esplendor da fundação de uma nova igreja, com os teóricos da Teologia da Libertação, que um reencontro foi possível.

O reencontro, pode-se dizer, gerou a ascensão de um papa (Francisco) e de um partido nacional (o dos trabalhadores). Ainda assim, corpos bem alimentados nos anos 2000, corpos esses não raro bem empregados em empresas e libertos de uma sequência infindável de abusos materiais geração a geração, participaram da fermentação de uma espécie de “neofascismo tropical”.

Busto de Karl Marx em seu túmulo, no cemitério de Highgate, em Londres - Tolga Akmen/AFP

Trata-se de um composto que mistura fuga para um imaginário da “fundação” (índios morrendo, terras griladas, milícias coloniais) e exaltação dos sofrimentos impostos pelo neoliberalismo —essa forma atualizada e remixada do capital—, sofrimentos que alcançam corpo e alma humana com a mesma intensidade e voracidade.

Marx não é um iluminador de métodos revolucionários e produtor de técnicas de interpretação da realidade. Marx é, antes de tudo, um cientista da alma humana sob os escombros. E é para essa ciência que a esquerda brasileira tem de retornar.

Os avanços milicianos, neofascistas e neoliberais, sempre intercruzados, permeáveis entre si, são movimentos que dependem de uma vulnerabilidade de origem: o ensino e, mais especificamente, o ensino baseado na “vida do trabalho” na “vitória”, e não no contato com os objetos que acolhem e despertam a alma humana; que a reconectam com o mundo e com os princípios da empatia, da autonomia fraterna e da cidadania.

Se a esquerda não lutar por um programa e por uma estrutura de sociedade que reative o império da arte e que se preocupe com a formação das sensibilidades e de seus correspondentes (as erosões emocionais causadas por princípios como a competitividade) mais do que com trabalho ou indústria, o “neofascismo tropical” continuará florescendo. Mesmo quando aparentemente defenestrado, seja por condições históricas mágicas, seja por processos eleitorais.

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