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Maria Paula Bertran e Viviane Fernandes

Por que reforçar o crédito à população agora?

Modelo do 'quanto mais crédito, melhor' é incompatível com população já superendividada

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Maria Paula Bertran

Professora de direito econômico da USP, fundadora do Acredito Think Tank, pela sustentabilidade do crédito

Viviane Fernandes

Doutora em antropologia pela UFRJ, é pesquisadora do NuCec (UFRJ)

Foi aprovado, na noite de 3 de outubro, o novo Marco Legal de Garantias. A lei permite que um mesmo bem imóvel seja usado como garantia em mais de uma operação de crédito. Isso reduziria, em tese, as taxas de juros de empréstimos junto a instituições financeiras. A leitura mais comum é a de que a diminuição do risco de inadimplência facilitará a tomada de novos empréstimos e com isso, diz-se, os brasileiros aumentarão o consumo e impulsionarão o crescimento econômico.

Essas assunções são baseadas em um modelo teórico segundo o qual crédito é sempre bom. Segundo o qual, quanto mais crédito, melhor. No entanto, esse modelo é algo incompatível com uma população já superendividada. Pesquisas envolvendo o próprio Banco Central reconhecem que o endividamento excessivo de uma população é gatilho para crises sistêmicas.

No mundo idealizado, as pessoas serão capazes de empreender, educarem-se, prepararem-se profissionalmente ou superarem um momento difícil com empréstimos obtidos a juros mais baixos, considerando a força da garantia do imóvel. Na prática, é provável que a nova lei não seja usada para novos empréstimos, mas para que antigas dívidas sejam transformadas em dívidas com garantia imobiliária. Quem atua no setor já conhece o fenômeno. Não será surpresa que a nova lei o intensifique.

A rotina do endividado brasileiro é começar por um tipo de dívida e migrar para outros, até perder o controle da vida financeira. O início tende a ser por cartão de crédito, crediário e contas públicas. A partir daí, novas modalidades de crédito para pessoas que já têm dívidas. Os juros nem sempre são melhores a cada nova contratação ou "renegociação" de dívidas que não são adimplidas. O resultado final do processo costuma ser o superendividamento.

Assim, no momento inaugural da nova lei, é fundamental esclarecer à população que, se uma pessoa tem dívidas e tem imóveis que as possam sanar, o ideal, normalmente, é a venda do imóvel e, com o dinheiro, o pagamento das dívidas. As pessoas não devem optar pelo caminho "fácil" de dar o imóvel como garantia a múltiplos novos empréstimos com a esperança de que conseguirão quitar as dívidas que já têm e ainda manter o bem.

A psicologia comportamental já demonstrou que os indivíduos tendem a projetar cenários promissores para si próprios. Tendemos a achar que vai dar tudo certo amanhã. É da natureza humana, mas não deveria ser a pauta do governo. A educação financeira pode ajudar a fazer com que as pessoas rejeitem transformar suas dívidas sem garantia em dívidas garantidas por imóveis. Mas os interesses dos credores, potencializados no novo ambiente regulatório, tendem a ser determinantes.

O novo Marco Legal de Garantias é parte de um fenômeno maior, que contempla também o Desenrola. Há um claro projeto do Governo Federal de ampliar a possibilidade de acesso ao crédito. É fácil antever a satisfação popular imediata e o certeiro aumento dos índices de aprovação do governo. Mas e para amanhã? Há um projeto? Há um plano de longo prazo?

Vamos aumentar a capacidade de endividamento da população para qual fim? Para um recomeço permanentemente livre de dívidas? Esse parecia ser o espírito da Lei do Superendividamento, considerada uma vitória para os consumidores e hoje abandonada diante do Desenrola. Ou vamos ampliar as oportunidades de endividamento para que a população seja novamente exaurida após curto fôlego?

O crédito pode ser bom. O crédito pode ser péssimo. Cerca de 70% da população brasileira já está endividada. Um volume considerável dos recursos das famílias é tomado pelo pagamento de juros, sem que o montante original dos recursos emprestados tenha sido capaz de alterar substancialmente sua qualidade de vida. Um segundo imóvel sempre foi uma fonte clássica de reserva e poupança das famílias brasileiras. A partir da nova lei, essa reserva está exposta.

No Senado, o novo Marco Legal de Garantias foi emendado para manter a impenhorabilidade do bem único de família. Ainda bem.

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