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Valentim Biazotti

Um leigo e um filósofo entram em uma toca

Confunde-se o senso comum com o pensamento em si

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Valentim Biazotti

Escritor e fundador da WaM, foi finalista do prêmio Jabuti na categoria Estreante com “Singulas Brasilis Fantásticas” (ed. Penalux)

No mundo contemporâneo, o que pode fazer da filosofia um leigo? Seria ela um artefato guardado por chaves misteriosas ou algo inerente ao ser humano? Aguardando na fila de uma padaria enquanto se ouve uma conversa qualquer: existe filosofia ali?

Essas são as primeiras questões que surgem para nós, os não filósofos instigados a pensar pelos acontecimentos. Insetos atraídos pela luz, caímos pela toca do coelho e encontramos um universo visto pela ingenuidade de quem o descobre. Obviamente, nossa missão exploratória precisará da figura secular do guia (neste caso, guias).

O filósofo esloveno Slavoj Zizek - Folhapress

O primeiro filósofo que encontramos é Slavoj Zizek. Não por acaso: os holofotes midiáticos anseiam por suas falas velozes e controversas. Zizek diz que "a filosofia sempre chega tarde demais". No entanto, enquanto conversamos, também pontua que "os tempos em que a filosofia é necessária são em tempos difíceis."

Provocados, não é surpresa refletirmos sobre a explosão tecnológica e o colapso socioambiental: riscos da inteligência artificial, esgotamento de recursos naturais, edição genética, crises econômicas, imigração, guerra. Sim, os tempos atuais são de um cenário árduo.

Nosso primeiro guia parte ao dizer: "O papel da filosofia hoje não é procurar soluções, mas permitir que façamos as perguntas certas". Adiante, tropeçando em conceitos, encontramos um senhor de cabelos brancos remexidos pelo vento. Ele conversa com uma rocha pensativa e a questiona: "Há um modo de vida nobre e outro vil, ou seriam todos apenas fúteis? O universo possui alguma unidade ou propósito? Existem leis da natureza ou só acreditamos nelas em virtude de nosso amor inato pela ordem?".

Aquele é Bertrand Russell. Suas perguntas nos congelam. Ainda que tenhamos opiniões sobre seus questionamentos, de que elas servem? Parecem não estar à altura da certeza. "Essa talvez seja a principal contribuição da filosofia em nossa era," ele diz. "Como viver sem certezas, sem, porém, nos sentirmos paralisados pela hesitação." Russell relembra as indagações que fazia à pedra e conclui: "O estudo dessas questões, quiçá até sua solução, é o que cabe à filosofia".

Ao fundo e com muita pressa, um outro senhor de longos cabelos e barba grisalhos brada: "Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo". Neste momento, Zizek reaparece, desta vez acompanhado de um outro senhor: Hegel. Ambos sorriem.

Diante de uma paisagem rica, a jornada chega ao fim. Nós, os comuns, decidimos voltar. Olhamos para nosso cotidiano. Constatamos que o grande ausente em nosso tempo é o pensamento. Estamos mudados: cada acontecimento esconde questões profundas. Confunde-se o senso comum com o pensamento em si.

Na fila da padaria, agora somos alertas e vigilantes. Os filósofos que encontramos nos presentearam com a reflexão, a necessidade constante do exercício do pensamento, essa máquina diária de reinvenção da vida.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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