Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

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Cozinhar é perigoso, comer pode ser mortal

Apesar do risco de intoxicações no calor, não faz sentido proibir steak tartare, sushi ou ostras vivas nos restaurantes

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São Paulo

Meu filho, longe dos olhos dos pais, resolveu fritar um ovo.

Ele está com o braço esquerdo quebrado, resultado da queda do alto de uma mangueira. É um garoto de 11 anos, com juízo de 11 anos, experiência próxima de zero na cozinha e apenas um braço funcional. Foi se meter a fritar um ovo.

Aconteceu um acidente. Quem se deu mal foi o cachorro, sempre a rondar quem tem comida. O cão teve uma pequena queimadura de óleo, nada grave. O menino saiu ileso.

O Yukhoe, espécie de steak tartare coreano feito com carne congelada
O Yukhoe, espécie de steak tartare coreano feito com carne congelada - Marcos Nogueira

Espero que o ocorrido tenha feito o filhote aprender que brincar na cozinha envolve riscos reais.

Você mexe com água quente, com óleo ebuliente, com metais em brasa, com fogo. Manipula facas de serra e de lâmina, cutelos, objetos cortantes e pontiagudos.

Não há cozinheiro, profissional ou doméstico, que nunca tenha se machucado no preparo do alimento. No limite, cozinhar pode deformar, desfigurar ou mutilar.

O que fazer a respeito disso? Instruir as pessoas a ficarem longe de facas e panelas? Não dá. As pessoas precisam comer e, para comer, precisam fazer comida.

Melhor é ensiná-las a tirar os dedos do caminho da faca, a não jogar água no óleo quente e a cuidar bem da panela de pressão.

Se cozinhar é perigoso, comer pode ser fatal.

Neste calor indecente –são 17h de sexta-feira (17) com 35 ºC em São Paulo–, a podridão e a contaminação trabalham velozes e furiosas.

É quando fulaninho tem piriri ou vomita as tripas porque comeu um quibe esquecido na estufa do boteco mais suspeito da cidade.

Pensei fortemente nisso ao escrever minha outra coluna, as Receitas do Marcão, que sai às segundas-feiras no digital e às terças no impresso.

Com o cérebro em derretimento, eu só desejava um refresco. Algo frio. Ocorreu-me, então, a lembrança do yukhoe –prato coreano de carne crua e gelada, com uma gema de ovo igualmente crua e gelada.

Era o refresco que eu buscava, mas havia uma questão: carne crua, ovo cru, calor extremo, tudo isso junto pode dar uma intoxicação braba se a pessoa for desleixada.

Enquanto escrevia, percebi a necessidade de incluir um alerta no texto. Nem discreto demais, nem escandaloso a ponto de desencorajar o leitor a preparar a receita.

Acabou saindo assim:

"O yukhoe é feito de carne e ovo crus, alimentos que sempre oferecem algum risco sanitário. Cerque-se destes três cuidados: higiene impecável, ingredientes frescos e rapidez no preparo e no serviço."

O risco sempre vai estar lá, mas é menor se você não der sopa pros monstrinhos que moram na sujeira. Afirmo, sem hesitar, que uma comida dessas é mais segura em casa do que num restaurante.

Em casa, você sabe o que faz. Há restaurantes limpíssimos e restaurantes imundos: em ambos, o cliente não faz ideia do que se passou com a comida entre a compra do ingrediente e a montagem do prato.

Ainda assim, não tem cabimento querer proibir a venda de steak tartare, carpaccio, sushi, sashimi, poke, ceviche ou ostras vivas.

Não somos crianças de 11 anos. Ser adultos, entre outras coisas, significa escolher os riscos que topamos correr.

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