Era Outra Vez

Literatura infantojuvenil e outras histórias

Era Outra Vez - Bruno Molinero
Bruno Molinero
Descrição de chapéu Livros

'Três Porquinhos Brasileiros' foge do clima de autoajuda da fábula

Luiz Antonio Simas e Bozó Bacamarte acabam com o discurso sobre a renúncia do prazer imediato e exaltam a festa e a poesia

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Poucas coisas são mais didáticas do que a moral da história que acompanha as versões atuais de "Os Três Porquinhos". Assim que o Lobo Mau não consegue invadir a casa de tijolos do último suíno nem derrubar as sólidas paredes levantadas com argamassa, imediatamente surge uma voz professoral que discursa sobre o trabalho árduo ser o caminho para o sucesso. E, assim, a história se torna uma fábula sobre a renúncia do prazer imediato.

Pois essa leitura de monges, executivos, pais ricos, pais pobres e demais coaches de autoajuda é demolida bloco a bloco por Luiz Antonio Simas em "Três Porquinhos Brasileiros", livro recém-lançado pela editora Cobogó.

Ilustração de Bozó Bacamarte para "Três Porquinhos Brasileiros"
Ilustração de Bozó Bacamarte para "Três Porquinhos Brasileiros" (ed. Cobogó), de Luiz Antonio Simas - Divulgação

Nesse reconto, tudo é invertido. É o trabalho sem descanso que causa o perigo, enquanto a salvação vem do que ainda hoje é chamado preconceituosamente de vadiagem —mas que são expressões fundamentais da nossa cultura, como a festa, a música e a poesia.

Com ilustrações de Bozó Bacamarte, a obra transporta a fábula para os interiores do Brasil, onde vivem Cícero, o porquinho violeiro; Heitor, o leitão que é de santo, arruda e patuá; e Prático, o que trabalha e não quer nem ouvir falar de distrações, é claro.

Já que o conto se passa em terras brasileiras, o papel de vilão sai das garras do Lobo e cai no colo da Onça. O felino é despertado de sua soneca pela barulheira das obras na casa de Prático, que adora uma reforma e uma martelada, e fica irado, louco para devorar o autor das perturbações.

Subvertendo a lógica parafusada desde sempre no nosso imaginário, o porquinho trabalhador foge e vai se refugiar com os irmãos festeiros para não ser transformado no presunto do almoço. A salvação não está nas paredes de tijolos, mas vem justamente da folia e da moda de viola.

Só que Simas faz mais do que bagunçar a moral tradicional, que exalta as formigas disciplinadas e critica as cigarras cantadoras. Ele vai além e homenageia o Brasil ao introduzir o leitor criança —e também o adulto— a diferentes manifestações culturais do país.

Aparecem na história o baião, o samba, as mulheres rendeiras e Oxalá, além da chula raiada, do ponteio, do fandango, da marujada e de outros temas que, por serem menos óbvios, ganham um glossário no fim.

Luiz Antonio Simas na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em setembro deste ano
Luiz Antonio Simas na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em setembro deste ano - Eduardo Anizelli/Folhapress

Mas nem tudo está explicadinho. A edição abre brechas para descobertas, como se fosse uma caça ao tesouro. Bacamarte, por exemplo, usa a linguagem das xilogravuras, faz referências aos folhetos de cordel e flerta com o alfabeto armorial de Ariano Suassuna para criar as imagens, por exemplo. Tudo isso está lá, mas não didaticamente indicado.

Do outro lado, o texto é feito com versos rimados, cada um com sete sílabas poéticas —estrutura que é chamada de redondilha maior. Esse jeito de escrever costuma ser um dos mais usados por poetas, repentistas, compositores, violeiros e artistas da cultura popular. Como poemas e letras não costumavam ser escritos, a estrutura fixa facilitava a memorização.

Simas e Bacamarte, porém, não se tornam reféns dessa proposta e aproveitam para também brincar com as estéticas. Enquanto o texto picota as estrofes e usa os versos de um jeito mais livre, as ilustrações quebram as expectativas do imaginário sertanejo. Afinal, não é todo dia que vemos uma onça na caatinga com patins e óculos escuros saídos de alguma discoteca dos anos 1980.

Ilustração de Bozó Bacamarte para "Três Porquinhos Brasileiros"
Ilustração de Bozó Bacamarte para "Três Porquinhos Brasileiros" - Divulgação

Três Porquinhos Brasileiros

  • Preço R$ 62 (48 págs.)
  • Autoria Luiz Antonio Simas e Bozó Bacamarte
  • Editora Cobogó

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