Frederico Vasconcelos

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Como as mulheres promoveram o consenso no CNJ

Unanimidade foi obtida com a aceitação de recomendações do juiz Pae Kim

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O consenso obtido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), na última terça-feira (26), para tentar reduzir a desigualdade de gênero no Judiciário foi definido como um "momento histórico". Para alguns conselheiros, houve uma "gigantesca quebra de paradigma" e um "avanço civilizatório".

A presidente Rosa Weber e a relatora Salise Sanchotene acolheram sugestões do juiz Richard Pae Kim, do TJ-SP. Foi a forma de evitar o risco de não se obter uma decisão unânime.

O colegiado poderia ter ido além, como sugeria a proposta original. Ao final, Weber reproduziu a avaliação de alguns conselheiros: "Poderíamos ter avançado mais".

Weber usou o botton do movimento Paridade no Judiciário.

Como as mulheres obtiveram o consenso no CNJ
Ministra Rosa Weber, que encerra a gestão no CNJ, usa botton do movimento Paridade no Judiciário. No destaque, juízas comemoram o resultado da votação sobre igualdade de gênero - Rômulo Serpa/CNJ - Divulgação

Kim apresentou-se como filho de imigrantes, coreano, com 30 anos de magistratura, sem perspectiva de ser promovido a desembargador nos próximos oito anos. Disse que sua mulher, juíza do TJ-SP, também não tem previsão de chegar a desembargadora.

"Todos aqui têm legitimidade para decidir sobre esse tema", afirmou.

Kim disse que foi muito difícil divergir do voto de Salise. Repetiu algumas observações da Nota Técnica do Tribunal de Justiça de São Paulo.

"Alguns obstáculos jurídicos são intransponíveis", disse. Sobre a promoção por antiguidade, afirmou que não parece haver espaço para uma lista exclusiva para mulheres.

"Voto no sentido da rejeição da proposta normativa, neste ponto."

Kim abriu uma janela ao afirmar que, se há inconstitucionalidade no critério da antiguidade, não se verifica o mesmo óbice constitucional às promoções por merecimento.

"Embora possua dúvidas sobre seus elementos, acompanharei o voto da nobre relatora, pelos fundamentos que descreverei, sem deixar, no entanto, de registrar algumas preocupações", disse.

Kim afirmou no voto que os estudos devem prosseguir. Foi além. Disse que o debate sobre políticas afirmativas de gênero deve também se pautar pelas particularidades da carreira e suas implicações para a independência, a imparcialidade e a eficiência do Poder Judiciário.

O juiz afirmou que "não há diagnóstico específico elaborado formalmente pelo CNJ com o apoio dos tribunais e entidades associativas sobre os motivos pelos quais as mulheres não conseguiram ascender em número suficiente para garantir a paridade no âmbito das cortes estaduais e regionais".

Salise contestou. Citou como exemplo uma pesquisa conduzida pelo CNJ, em parceria com a Escola Nacional da Magistratura e com a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).

Librianos e arianos

A relatora anunciou à presidente que reformularia o seu voto, retirando a questão da promoção por antiguidade. "Como Vossa Excelência é libriana, partidária do consenso, farei a correção", disse.

Salise sugeriu a Weber consultar o colegiado.

Como a relatora acolheu a divergência de Pae Kim, aparentemente não sobrou espaço para rejeição da solução proposta. Rosa disse que pretendia aderir integralmente ao voto de Salise, e que viu no voto de Kim um "olhar masculino muito atento".

O corregedor Luís Felipe Salomão elogiou Salise e Kim e a criação de uma política pública instituída no conselho pela capacidade de diálogo.

Luiz Phillippe Vieira de Mello Filho disse que, como ariano, fez previamente um debate duro com alguns conselheiros. "Faz parte do meu temperamento."

"Não tenho legitimidade para falar em nome das mulheres", disse. Mas leu texto de uma juíza sobre as dificuldades das magistradas para prosperarem na carreira.

"Não querendo me distanciar do acordo coletivo, ressalto meu entendimento: nós poderíamos ter ido muito mais longe para que elas pudessem também ir mais longe", disse Vieira de Mello.

Mauro Martins afirmou ter "ficado muito feliz com a solução". Disse que "as pesquisas demonstram o tratamento discriminatório sofrido pelas mulheres".

"A ação afirmativa é necessária, e o CNJ é o foro adequado. Sendo unânime, a decisão transmite uma mensagem muito melhor para a sociedade e para o Poder Judiciário."

Jane Granzoto, desembargadora do TRT-2, disse que seu tribunal há muitos anos tem maioria feminina. Considerou a construção que se fez extremamente relevante, porque não foi imposta.

Ela cumprimentou Kim pelas "luzes que nos trouxe para essa solução construída".

Márcio Freitas seguiu a linha de Vieira de Mello. "O consenso já foi concebido. Mas eu me ressenti da timidez da proposta. Tínhamos que discutir a sério o hiato racial". Criticou a seletividade que existe no segundo grau. Mas entende que houve "uma quebra de paradigma gigantesca".

O conselheiro Giovanni Olssen, juiz regional do Trabalho, concordou que esse foi um "momento histórico".

"Mas estamos debatendo a ponta de um iceberg."

"Temos que falar do primeiro grau, melhorar as condições de trabalho do primeiro grau, tornar as condições menos inóspitas. Mais de 90% dos processos estão no primeiro grau."

"É onde as mulheres acumulam renúncias", disse.

A forte reação contrária à proposta original veio do Consepre (Conselho dos Presidentes dos Tribunais de Justiça), majoritariamente composto por homens (dos 27 presidentes de tribunais estaduais, 6 são mulheres) e das associações de classe.

Em comentário ao blog, uma juíza do movimento pela paridade viu no julgamento "o pacto da masculinidade". Diante da ameaça de avanço dos direitos das mulheres, os homens colocam suas diferenças de lado para formar uma aliança que garanta a manutenção de seus privilégios, diz ela.

Ela lembra que são os desembargadores que decidem se haverá dotação orçamentária para as varas de violência doméstica e familiar, se os fóruns terão espaços adequados para amamentação, se serão ou não implementados programas de combate ao assédio às servidoras e de apoio às gestantes.

Essas decisões são feitas majoritariamente por homens brancos. O pacto da masculinidade segue forte para decidir os rumos do Judiciário e portanto, em grande medida, da sociedade brasileira, diz.

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