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Precisamos ter clareza do que seria uma IA brasileira, diz especialista

Para pesquisador Diogo Cortiz, Plano Brasileiro de Inteligência Artificial é bem desenhado, mas tem pontos críticos; leia entrevista

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São Paulo

Quando terminou sua graduação no Mackenzie em sistemas da informação em 2007, Diogo Cortiz, hoje com 37 anos, tinha uma formação técnica em redes neurais e inteligência artificial. Mas a questão humana por trás sempre o interessou. Quando fez mestrado e doutorado em tecnologias da Inteligência pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), PhD Fellowship pela Université Paris-Sorbonne, dentre outras formações, aflorou nele o desejo de entender mais a relação da tecnologia com o mundo.

"Eu quero conhecer a parte técnica para traçar cenários de como isso impacta a sociedade, de como nós tomamos decisões, como percebemos o mundo, como somos influenciados. Isso é fascinante", afirma, em entrevista ao #Hashtag.

Fotografia colorida é retrato de Diogo Cortiz, homem branco de cabelos e barba castanhos. Veste camiseta preta e blazer cinza, usa óculos. Está falando em uma palestra
Diogo Cortiz, 37, professor especializado em tecnologia, ciência cognitiva e inovação - Divulgação

Professor, escritor, colunista do UOL e palestrante especializado em tecnologia, ciência cognitiva e inovação, Diogo Cortiz é uma das principais referências no estudo de inteligência artificial no país.

No Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (Pbia), lançado em julho pelo governo Lula (PT), Diogo Cortiz foi um dos especialistas convidados a participar de reuniões. "Ficou um documento bem desenhado, mas com muitas questões em aberto, como a IA brasileira. Como ela vai se materializar? Faremos um desenvolvimento do zero?", avalia.

Cortiz é o segundo entrevistado da série especial do #Hashtag sobre inteligência artificial, na qual o blog publica textos sobre o panorama nacional da tecnologia, com perfis de iniciativas brasileiras, entrevistas com especialistas e discussões sobre o futuro do setor. Leia a entrevista:

Pode contar um pouco a história da inteligência artificial?

A inteligência artificial começa na década de 1950, passa por momentos de euforias e de invernos, e a partir de 2010 tem uma retomada com o avanço do poder computacional e do processamento de dados, por meio de GPUs, deep learning, novos modelos de arquitetura. Em um momento em que o mundo se digitalizava, os dados passam a ser digitais, e passamos a ter insumos para treinar IAs. IAs dependem de dados. E as IAs de hoje já leram de tudo.

E o que permitiu que o ChatGPT virasse o ChatGPT?

Em 2017, há um grande ponto de virada quando o Google publica o artigo "Attention is all you need" (Atenção é tudo que você precisa), que deu base ao que chamamos de arquitetura transformer. O foco era na tradução, mas ali se percebeu que poderíamos usar a linguagem para criar conteúdo. Então vem a OpenAI e escala isso. O ChatGPT tem efeito borboleta: as big techs não lançavam o produto porque queriam entender os efeitos. Elas tinham teto de vidro, enfrentavam escrutínio público, enquanto ninguém conhecia a OpenAI. O ChatGPT pega o mercado de surpresa, e pega de surpresa a própria OpenAI, que não imaginava que seria esse sucesso.

Como o ChatGPT será olhado no futuro?

Assim como o iPhone criou um ecossistema novo de uso de tecnologia móvel, eu não tenho dúvidas de que o ChatGPT é um marco, não do nível técnico, cuja evolução vinha desde 2017, mas é inovador do ponto de vista da transformação da sociedade ao se tornar a primeira ferramenta de uso geral, em que se pode escrever, fazer perguntas e respostas, programar. Áreas como educação, saúde, direito, comunicação estão tendo que se adaptar. Ela causou incômodo no mercado, o que fez com que outras indústrias corressem atrás.

Como está o Google nessa corrida pela IA?

A IA do Google, o Gemini, traz encruzilhadas para a empresa ao resumir o conteúdo da busca no topo. Muita gente vai parar ali, mas o modelo de negócios do Google é vender anúncios patrocinados. A big tech está tentando entender o processo em seu próprio ecossistema digital. Haverá uma mudança do fluxo de dados e da economia digital, porque o Gemini tende a diminuir acesso a conteúdos originais de sites, portais, blogs independentes.

Como o Brasil está inserido nesse mercado?

O Brasil vinha desde o governo Bolsonaro tentando se posicionar por meio da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), que era uma carta de intenção, não tinha metas, não tinha orçamento. O governo Lula lançou no fim de julho o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (Pbia), com um orçamento significativo, de R$ 23 bilhões, maior do que muitos países da Europa, como Itália, França e Reino Unido. O dinheiro busca promover pesquisa em IA no Brasil, mas não deixou de fora o mercado privado, com R$ 13 bilhões.

O Brasil tem capacidade de ter uma IA soberana, como deseja o presidente Lula?

No Pbia, tem mais de R$ 1 bilhão reservado para a IA brasileira. Esse é um ponto crítico e de atenção. Tem que ter clareza do que seria a IA brasileira. Vai ser via edital? Nós faremos o desenvolvimento do zero? Se sim, qual seria a licença usada? Será que precisamos treinar um modelo do zero, sendo que há várias alternativas de código aberto, e que podemos inserir mais elementos da cultura brasileira, da nossa realidade? Nós temos poucos dados organizados em português, isso seria uma oportunidade.


É possível regular a IA a tempo?

A conversa sobre regulação não vem de agora, mas escala com o ChatGPT e a carta aberta de pesquisadores em março de 2023. Ainda não sabemos como responder, quais são as regras do jogo. É uma área que se desenvolve muito rápido, mas ao mesmo tempo as consequências são muito sensíveis para sociedade. O marco regulatório de IA no Brasil, que pode entrar em votação depois das eleições municipais, possui uma estrutura interessante, mas ainda precisa de um debate aprofundado do ponto de vista técnico, com outros pesquisadores, linguistas. A estrutura de debate é herdada da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), mas há outras dimensões na mesa na IA, como a antropomorfização das vozes humanas.

Quais são os riscos da IA?

A gente falava que linguagem é uma coisa muito humana, que nos separa de outras espécies. Agora criamos um artefato que não entendemos direito, e que também domina linguagem. A IA pode fazer muitas coisas, inclusive entregar um produto pronto. Somos preguiçosos por natureza, queremos conservar energia. Se existe uma IA que pode fazer um trabalho cognitivo e personalizado, corremos o risco de delegar tudo a ela e isso atrofiar as nossas habilidades cognitivas. Vai depender da sociedade ter senso crítico e usá-la como ferramenta de apoio. Eu, por exemplo, nunca peço um texto pronto, mas sim alternativas a um parágrafo que não gostei. Nesse processo, ganhei um companheiro poderoso.

E como fica a manipulação da informação com IA?

O letramento digital é o desafio da década. É essencial, mas talvez ele não seja mais suficiente. Na era de fake news, notícias falsas, manipulação, as pessoas com letramento digital desconfiavam do que viam. Com IA, estamos em um outro patamar, que é a desinformação de alta resolução. A IA generativa é uma caixinha que cria multiversos de maneira tão realista que as realidades paralelas vão se tornar indistinguíveis e não mais rastreáveis. O "ver para crer" morreu. Precisaremos de soluções tecnológicas que sinalizem o que é autêntico ou não.


RAIO-X

Diogo Cortiz, 37

Doutor em tecnologias da Inteligência pela PUC-SP e PhD Fellowship pela Université Paris-Sorbonne, MBA em Economia Internacional pela USP. Foi pesquisador visitante na Queen Mary University of London. Dá aula nos cursos na área de Tecnologia, Design e Comunicação na PUC-SP, e orienta pesquisas de mestrado e doutorado no programa de Tecnologias da Inteligência e Design Digital, também da PUC-SP. É colunista do UOL e apresentador do programa "Deu Tilt" no mesmo portal.

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