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No blog, as mães Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti abordam as descobertas do início da maternidade

Maternar - Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti
Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti
Descrição de chapéu Dias Melhores maternidade

Pais criam mochila para criança dependente de energia elétrica 24 horas conseguir sair de casa

Item conta com respirador, oxigênio e bomba de infusão; ideia foi adaptada e, hoje, atende outras 50 crianças em São Paulo

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São Paulo

Aline Bertolozzi e Rodrigo Monteiro, 42, são pais de Leonardo, 9, uma criança eletrodependente, ou seja, que precisa estar conectado 24 horas por dia a aparelhos ligados à energia elétrica, o que o deixava restrito ao hospital ou ao home care.

Para que pudesse sair de casa, os pais criaram, em 2016, uma mochila para carregar os aparelhos para qualquer lugar.

Após testes e adaptações, em 2023, o Hospital Samaritano Higienópolis, onde Léo, como é conhecido, é tratado, doou 50 mochilas, batizadas de Outcare, a todos os pacientes pediátricos com falência intestinal. Além disso, está realizando um estudo clínico para saber qual é o impacto do uso da mochila na qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de suas famílias.

Aline Bertolozzi e o filho Léo, 9, aproveitando um dia de sol no parque; ao lado, a mochila Outcare
Aline Bertolozzi e o filho Léo, 9, aproveitando um dia de sol no parque; ao lado a mochila Outcare - Produtora Associados/Havas Life

Leonardo perdeu todo intestino delgado após um quadro de enterocolite —inflamação que afeta o trato gastrointestinal— com um mês de vida, o que o tornou uma criança com intestino ultracurto e dependente de nutrição parenteral —que vai direto na veia por um catéter central no coração. "A gente infunde a nutrição por uma bomba", explica a mãe. Ele foi transferido para o Hospital Samaritano Higienópolis com seis meses e com oito foi realizada a reconstrução do trânsito intestinal.

Com essas condições, Léo se tornou eletrodependente. Como nasceu prematuro, era uma criança que usava respirador, oxigênio, oxímetro, bomba de infusão e aspirador de secreção. Hoje, precisa apenas dos dois últimos aparelhos.

A mãe conta que, na época, Léo foi liberado para homecare, mas a sensação era a mesma de estar no hospital. "Passamos a ficar trancados dentro de casa."

Com um ano e meio o garoto ia e vinha do hospital. "Um dia ele estava mal, e a doutora Fernanda [médica que o acompanha] me aconselhou a levá-lo para o hospital, mas eu pedi a ela 24 horas, caso ele não melhorasse, voltaríamos", lembra.

"Disse para mim mesma: e agora? Resolvi levá-lo no parquinho do prédio, amarrei todos os equipamentos que ele usava no carrinho. Quando chegamos lá ele abriu um sorriso tão puro e pensei: viver cura, né? Esse se tornou o meu lema", diz Aline que começou a sair mais com o filho.

Porém, em um dos passeios a família teve o acesso a uma tomada negado. "Foi no Cristo Redentor [no Rio de Janeiro]. As crianças dependem de energia elétrica e situações como essa as deixam limitadas dentro de casa", desabafa.

Ela e o marido voltaram para casa indignados. "Tínhamos que fazer algo. Pegamos uma bateria de moto com um conversor e colocamos os aparelhos dentro de uma mochila. Isso começou a dar liberdade para fazer passeios com o Leo", conta Aline que começou a ensinar outros pais a fazer a mochila na internet.

Em 2021, o casal fez uma parceria com a agência de publicidade Havas Life e o Hospital Samaritano Higienópolis, ambas equipes trabalharam de forma voluntária. "Fizemos o primeiro protótipo. Usei a mala por um ano, fomos para o exterior, viajamos duas vezes de motorhome pelos Estados Unidos."

Em dezembro de 2023, o Hospital Samaritano doou as mochilas para as crianças em tratamento e começou o estudo clínico.

"Estamos conseguindo comprovar o impacto na vida não apenas das crianças, mas das famílias. As crianças estão motivadas, empoderadas, realizando viagens, passeios e desejos mais simples, como ir ao circo ou ir à casa da avó comer pizza à noite. Algumas nunca tinham saído."

A mochila Outcare já rendeu até reconhecimento mundial. "Ganhamos 12 prêmios internacionais e foi o único projeto brasileiro no shortlist do festival de Cannes na categoria Pharma deste ano. O mundo está percebendo o impacto da Outcare", diz Aline.

Ela explica que a patente é da família, mas que não têm interesse financeiro e não querem que as famílias de pacientes tenham o custo de adquirir uma. "O nosso objetivo é que hospitais, farmacêuticas, homecare se interessem para doar para as famílias em tratamento como o Samaritano fez. Meu sonho é que chegue ao SUS para muitas crianças terem acesso à mochila."

Para Aline, a Outcare não é uma mochila, mas um projeto de inclusão. "Quem vai usá-la é na maioria crianças que sempre dependerão de alimentação parenteral e elas não podem ficar confinadas em casa. Essa criança quer correr, se movimentar, mas ninguém fala dela."

Ela afirma que a mochila tem um custo irrisório comparado a outros custos que as empresas têm para cuidar do paciente. Porém não forneceu o valor, uma vez que cada mochila tem uma adaptação específica.

Estudo clínico

A diretora de transplantes e nefrologia (rins) do Hospital Samaritano Higienópolis, Maria Fernanda Camargo, atua nas áreas de pediatria e nefrologia pediátrica há 30 anos. Ela acompanha Léo desde os seis meses e foi convidada para validar a qualidade e segurança da mochila.

"A Aline testou e já tínhamos o protótipo validado, com a segurança necessária, mas queríamos ver também em outras famílias, desenvolver uma pesquisa do ponto de vista clínico para compreender os impactos psicossociais que essa mochila traria para o paciente."

A médica afirma que para saber se o uso efetivamente estava melhorando a qualidade de vida da criança aplicaram um questionário para que o cuidador falasse sobre a criança, mas também que a própria criança opinasse sobre o quadro.

Da esq. para dir. Drª Maria Fernanda Camargo, diretora de transplantes e nefrologia do Hospital Samaritano, Aline Bertolozzi e Drª Mariana Janiques Fonseca, nefrologista do Hospital Samaritano
Da esq. para dir. Drª Maria Fernanda Camargo, diretora de transplantes e nefrologia do Hospital Samaritano, Aline Bertolozzi e Drª Mariana Janiques Fonseca, nefrologista do Hospital Samaritano - Divulgação

Após três meses da entrega da mochila, em março, foi feita a avaliação e, após um ano, será feita novamente.

Os resultados ainda são parciais, mas já mostram a diferença na qualidade de vida das famílias e pacientes.

Segundo a médica, participaram do estudo 18,8% de crianças de 0 a três anos; 31% de quatro a seis anos, 37,5% de sete a dez anos e 12,5% acima de dez anos.

Uma das perguntas era sobre o que significou a mochila na vida da criança e 100% das respostas foi liberdade tanto para a família quanto para as crianças

Maria Fernanda Camargo

diretora de transplantes e nefrologia do Hospital Samaritano Higienópolis

Do ponto de vista quantitativo, 100% tanto das crianças quanto dos responsáveis disseram que conseguiram fazer novos passeios. Do total, 87,5% das famílias afirmaram que perceberam melhora na autoestima da criança.

A especialista explica que o paciente com falência intestinal tem uma patologia, mas não necessariamente uma deficiência. "Ele está indo no restaurante, no shopping, todo mundo sabe que ele está conectado a um fio, mas com a mochila esse estigma é minimizado."

"A pergunta que eu me faço a cada dia, e que fazemos aqui no hospital, é como podemos cuidar não apenas da patologia desse paciente, mas melhorar a sua qualidade de vida, pois prescrever uma nutrição parenteral, hospitalizar, vários conseguem, mas como eu consigo, mesmo na internação domiciliar, melhorar a qualidade de vida dessa família e da criança. Acho que esse projeto vem um pouco de encontro a isso. Não tenho dúvida de que a Outcare faz diferença na vida deles."

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