Bem, este é o quinto texto que escrevo aqui neste espaço. No primeiro, a Folha publicou um texto da redação sobre a estreia do blog e ali os comentários estavam ativados. Li coisas legais, me deu a sensação de que finalmente todo meu sofrimento estava sendo ressignificado.
Um comentário em especial me despertou um incômodo que eu sabia que viria à tona: "Pena que é pseudônimo, ganharia ainda mais força se não estivesse assim". Eu entendo o ponto do leitor, mas ao mesmo tempo fiquei me perguntando: o que as pessoas sabem sobre o anonimato para a eficácia do tratamento?
O único tratamento que funciona para mim, como doente alcoólatra, existe há mais de 80 anos, e salva muitas vidas. Tenho um respeito enorme pelos Alcoólicos Anônimos, e essa terapia recomenda o anonimato. Eu poderia ficar horas falando disso, mas só queria explicar que manter sigilo sobre quem eu sou, o que faço, de onde venho, faz parte do tratamento. E se ele vem dando certo há tanto tempo –e, pelo que sei, estatisticamente é o procedimento que mais recupera doentes do alcoolismo–, quem seria eu para desrespeitar o programa? Para que inovar e mexer em time que está ganhando?
Na minha cabeça, seria a mesma coisa que se um portador de diabetes contestasse a eficácia da insulina. Ou um doente com câncer duvidasse do tratamento de quimioterapia. Em recuperação, eu aprendi a não questionar. Eu sou mais uma alcoólatra impotente perante o álcool, e que em determinado momento perdeu o domínio da vida. Aceito e sigo meu tratamento.
Tenho um grande amigo alcoólatra que parou de beber de outro modo e hoje vive muito bem. Ele é uma pessoa com quem sempre converso sobre o alcoolismo. Contei a ele o comentário do leitor a respeito do anonimato e ele, como sempre, muito sábio, me respondeu: "Não me sinto competente para falar disso". Achei, como muitas coisas que vejo nele, genial.
É isso, entendo o incômodo do leitor, mas o sigilo faz parte do meu tratamento e dá certo para mim. Há uma razão para isso.
Como disse no primeiro texto do blog, escrevo no intuito de contar minha história, dizer que é possível viver sem álcool. Quando alcoólatra ativa, fiz coisas que só alguém como eu pode entender. Entre alcoólatras apenas se sente, não se explica. E nessa cumplicidade encontro meu curativo, todos os dias.
Com esses textos não quero convencer ninguém a fazer nada. A refletir, talvez.
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