Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite
Descrição de chapéu Mente

Testes clínicos e legalização avançam em 2022; empresas recuam

Promessa terapêutica de psicodélicos se mantém, mas investimento escasseia

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São Paulo
Desenho de cérebro humano em cores psicodélicas
Ilustração de Raphael Egel - @liveenlightenment

O ano de 2022 termina com algumas boas notícias no campo psicodélico, outras nem tanto. No que respeita a pesquisa e regulamentação, as coisas andaram mais, enquanto arrefecia a excitação de investidores com o mercado terapêutico para medicamentos que alteram a consciência.

Faltavam três dias para terminar o ano em que o Brasil se livrou de Jair Bolsonaro presidente quando saiu mais um teste clínico mostrando efeitos antidepressivo da psilocibina de cogumelos "mágicos". Realizado na Suíça, traz algumas novidades sobre os anteriores.

O time de Franz Vollenweider, conhecido pesquisador psicodélico, empregou uma dose única moderada de psilocibina, cerca de 15 miligramas (contra usuais duas doses de 20-25 mg noutros estudos). Participaram 52 pessoas, 26 delas no grupo de controle por placebo.

O artigo de Vollenweider saiu no periódico de acesso aberto eClinical Medicine, do grupo Lancet. Acompanhados por duas semanas, os voluntários com diagnóstico de depressão apresentaram redução significativa na gravidade dos sintomas. No grupo que recebeu o psicodélico, 14 de 26 deles (54%) estavam em remissão.

Apesar de mais baixa, a dose utilizada ainda causou considerável modificação da consciência. No entanto, a melhora nos sintomas não se correlacionou com a intensidade da experiência subjetiva, como sugeriam outras pesquisas –segue o debate científico, assim, sobre a "viagem" psicodélica ser necessária para o benefício terapêutico.

Embora seja um dos primeiros ensaios clínicos controlados por placebo, o estudo não foi o único nem o maior. Menos de dois meses antes a empresa Compass Pathways publicara no New England Journal of Medicine os resultados de seu teste multicêntrico (dez países) de fase 2 com 233 pacientes com depressão resistente a tratamento. Neste caso, estavam em remissão após três semanas 29% dos voluntários que tomaram 25 mg de psilocibina.

Pôster mostra boca aberta com língua para fora e pílula da droga ecistay com inscrição "XTC"
Poster holandês mostra pílula de ecstasy - Remko de Waal / AFP

Mais avançado ainda está o teste clínico de MDMA, princípio ativo da droga recreativa ecstasy (também conhecida na noite como bala, molly, Michael Douglas), contra transtorno de estresse pós-traumático. A Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês) concluiu o segundo grande estudo de fase 3 com MDMA.

Há expectativa de que esses resultados conduzam à aprovação, pela agência americana FDA, da psicoterapia assistida pela droga, mais apropriadamente qualificada como "empatógena" (não se trata de um psicodélico clássico, como mescalina, LSD, psilocibina ou DMT, da ayahuasca). Essa licença poderá ocorrer em 2023 ou 2024.

Fora do trilho da medicalização, o maior avanço se deu com a psilocibina dos fungos Psilocybe cubensis. Seu uso in natura em adultos já havia sido aprovado em 2020 por eleitores do estado americano do Oregon, legalização que entra em pleno vigor no mês que vem; em novembro, a regulamentação dos cogumelos psicodélicos foi consagrada nas urnas do Colorado.

Apesar do vento favorável, a onda psicodélica refluiu na orla dos investimentos. A empresa Compass Pathways está bem calçada, tendo levantado US$ 225 milhões no mercado em 2021, mas em 2022 iniciou-se um movimento de fusões e aquisições a indicar que algumas das startups surfando no entusiasmo inicial tinham planos de negócio insustentáveis e que o dinheiro minguou.

A insegurança econômica detonada pela guerra na Ucrânia e pela pandemia terá contribuído para diminuir o entusiasmo de investidores. Isso embora elas tenham também favorecido o aumento dos índices de ansiedade e depressão, portanto a demanda por alternativas a medicamentos de prateleira ineficazes para boa parte dos acometidos por transtornos mentais.

Não se descarta, além disso, que a avalanche de pedidos de patentes comece a encontrar maior resistência. Seja das agências de propriedade intelectual, pela ausência de inovação no recurso a substâncias psicodélicas usadas por gerações e gerações, seja pela falta de planos claros e críveis de repartição de benefícios com os povos tradicionais que as legaram para a ciência biomédica, como manda o Protocolo de Nagoya.

Parece natural esse refluxo. Como diz o senso comum, quando a maré baixa dá para ver quem estava nadando pelado.

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Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira".

Não deixe de ver também as reportagens da série "A Ressurreição da Jurema":

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/reporter-conta-experiencia-de-inalar-dmt-psicodelico-em-teste-contra-depressao.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/da-caatinga-ao-laboratorio-cientistas-investigam-efeito-antidepressivo-de-psicodelico.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/cultos-com-alucinogeno-da-jurema-florescem-no-nordeste.shtml

Cabe lembrar que psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.

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