Descrição de chapéu The New York Times

Problema de três corpos, comum na física, pode ajudar a evitar guerra nuclear entre EUA, Rússia e China

Questão famosa na ciência e na ficção científica agora é analisada por especialistas atômicos e militares

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William J. Broad
The New York Times

Isaac Newton ficou perplexo. Ele já era famoso por descobrir como a gravidade mantém o universo unido e por usar esse conhecimento para prever os movimentos dos corpos celestes, como o trajeto da lua ao redor da Terra. Então, levando em conta as forças gravitacionais do sol, ele procurou melhorar suas previsões lunares. Em vez disso, tornou-as piores.

O fracasso, segundo relatou Edmond Halley, amigo de Newton, "o fez sentir dor de cabeça e o manteve acordado com tanta frequência que ele não pensou mais nisso". Newton sentiu sua derrota tão profundamente que se lembrou dela mais de uma vez em sua velhice.

Físicos exploram há tempos como fenômenos em grupos de três podem semear o caos - NYT

Hoje é chamado de problema dos três corpos. Famoso na ciência e na ficção científica por perturbações orbitais e fenômenos caóticos, recentemente tornou-se uma preocupação de especialistas atômicos e planejadores militares. Enquanto Pequim expande rapidamente seu arsenal nuclear, eles alertam que o mundo das superpotências atômicas está prestes a escalar de dois para três. O resultado, acrescentam, em comparação com o impasse Moscou-Washington, agora com 70 anos, pode representar um novo perigo.

A era iminente poderia encorajar "os Estados a recorrer a armas nucleares numa crise", alertou recentemente Andrew F. Krepinevich Jr., pesquisador sênior do Centro para uma Nova Segurança Americana. Ele citou as instabilidades naturais observadas por físicos e astrônomos como um presságio.

Especialistas dizem que a era tripolar pode pôr em risco a sobrevivência humana. Mas eles também citam uma série de lições de três corpos na natureza —começando com Newton— que iluminam a questão e sugerem possíveis caminhos a seguir. Até agora, porém, nenhuma resposta se destaca. Os pensadores nucleares do mundo estão achando o tema complexo tão intratável quanto foi para Newton.

"Temos um problema conceitual", disse Ernest J. Moniz, físico que, como secretário de Energia do governo Obama, supervisionou o arsenal nuclear dos Estados Unidos. "Temos que mudar a abordagem tradicional de equalização das armas ou sistemas de lançamento estratégico, mas ainda não está claro como fazer isso."

France A. Córdova, astrofísica e ex-diretora da Fundação Nacional de Ciência, disse que o estudo dos fenômenos de três corpos nas ciências naturais pode ajudar a revelar os riscos militares. "As coisas estão mudando muito rapidamente", disse ela. "Qualquer coisa que ajude a entender isso é ótima."

Os falcões preocupados com a segurança querem expandir o arsenal americano em resposta à ascensão nuclear da China e à ameaça de Pequim cerrar fileiras com Moscou. Os pombos veem uma janela para reduzir o tamanho dos três corpos. Eles querem dividir o problema em partes menores e mais gerenciáveis. Por exemplo, argumentam que Washington deveria lidar com as duas superpotências de forma independente e buscar laços diplomáticos que reforcem a estabilidade entre dois corpos.

Recentemente, o governo Biden pediu mais simplificação. Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional, argumentou que a resposta americana deveria se concentrar menos na quantidade de armas nucleares do país do que em sua qualidade. Para dissuadir os ataques com sucesso, disse ele num discurso, os militares americanos não precisam de armas que "superem em número o total combinado de nossos concorrentes".

Na vida cotidiana, grupos de dois e três podem parecer inconsequentes. Dois amigos se juntando a outro eleva o total para três. É a soma das partes —o que os cientistas chamam de aumento linear.

Mas em muitos aspectos da natureza os três têm um poder quase mágico de semear o caos, de se tornar mais do que a soma de suas partes. Os cientistas os chamam de não linearidades. Em suma, o intervalo de dois para três pode produzir um salto contraintuitivo de complexidade, como Newton descobriu, para sua consternação.

"Nossas intuições nos enganam", disse Michael Weisberg, filósofo da ciência na Universidade da Pensilvânia, sobre o tumulto de três corpos. Steven Strogatz, um matemático aplicado da Universidade Cornell, concorda: "Três são inerentemente problemáticos. As coisas ficam complicadas".

Surpreendentemente, o salto na desorganização também aparece nos oceanos e na atmosfera do mundo —em redemoinhos e turbulências, tornados e furacões. Se dois dos corpos rodopiantes se aproximam, eles avançam em linha reta ou circundam um ao outro.

"Com três, as coisas imediatamente ficam mais complicadas", disse Michael J. Shelley, especialista em dinâmica de fluidos da Universidade de Nova York. "Eles podem entrar em colapso um no outro. Fica muito desordenado e imprevisível. Há uma grande diferença."

Notavelmente, o salto também aparece na vida humana quando grupos de três fazem com que as complexidades sociais aumentem —notadamente em famílias jovens. Dois irmãos têm um relacionamento. Mas um terceiro filho resulta em sete tipos de laços entre os irmãos —três relacionamentos um-a-um, três relacionamentos um-a-dois e um relacionamento em grupo. Os pais, por definição, estão em menor número e pode ocorrer confusão.

A Guerra Fria —apesar de todos os seus terrores e crises— evitou a guerra nuclear em parte porque suas estruturas maduras ecoavam a estabilidade binária que os astrônomos veem nos céus e que as famílias jovens veem nas brincadeiras relativamente simples de duas crianças.

A era da tensão nuclear mais séria começou quando as primeiras armas termonucleares do mundo foram testadas por Washington em 1952 e por Moscou em 1955. Por natureza, as armas podiam produzir explosões mil vezes mais poderosas que a bomba de Hiroshima. A corrida armamentista que se seguiu alimentou o medo da Guerra Fria de aniquilação mútua —ridicularizada em "Dr. Strangelove" [Dr. Fantástico], o clássico filme de 1964.

Logo, os antagonistas aproveitaram a paridade de forças como forma de reduzir o risco de conflito. Acordos negociados colocam Moscou e Washington em pé de igualdade, com o objetivo de substituir a guerra por impasses tensos —como é o caso da Rússia e dos Estados Unidos hoje.

"Estamos numa igualdade estável", disse William I. Newman, professor de astrofísica da Universidade da Califórnia em Los Angeles, que ajuda na administração do laboratório de armas de Los Alamos pela Universidade da Califórnia. "Qualquer afastamento disso aumentará a instabilidade."

A saída iminente é o plano de Pequim de produzir 1.500 ogivas nucleares até 2035, como avalia o Pentágono. Se alcançado, isso representaria um aumento de cinco vezes em relação ao "dissuasor mínimo" que Pequim possuiu há mais de meio século e a tornaria um par nuclear de Moscou e Washington.

Newman chama o estado tripolar de "muito menos resiliente" do que o impasse bipolar. Mesmo assim, os teóricos dos três corpos veem várias maneiras de evitar o impensável.

Por exemplo, Krepinevich, em um artigo na Foreign Affairs no ano passado, argumentou que Moscou poderia desaparecer na insignificância econômica e estratégica, deixando uma forte dupla Pequim e Washington para "navegarem a caminho de um novo equilíbrio bipolar".

A revolta armada no fim de semana na Rússia mostra não apenas a fraqueza de Moscou, mas a ameaça de uma nova instabilidade numa superpotência atômica.

Em uma nota diferente, Siegfried S. Hecker, ex-diretor do laboratório de armas de Los Alamos, no Novo México, argumentou que Washington deveria tentar lidar com as superpotências rivais como entidades separadas.

"Não vejo a Rússia e a China se unindo" em estratégias atômicas, disse ele. "Vejo isso como dois bipolares." À medida que a guerra na Ucrânia avança e Washington tem pouca interação com Moscou, acrescentou Hecker, agora é um bom momento "para trabalhar com os chineses" na construção de um relacionamento de dois corpos.

A principal preocupação dos planejadores militares é que Pequim não apenas alcance a paridade de armas com Washington, mas também forme um pacto militar com Moscou.

"Ainda não estamos vendo uma aliança geopolítica sólida, realmente consolidada, duradoura e resiliente", disse o general Mark Milley, presidente cessante do Estado-Maior Conjunto, à revista Foreign Affairs no mês passado. "Isso pode acontecer no futuro? Pode, e precisamos ter cuidado, e precisamos fazer o que pudermos para garantir que não aconteça."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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