Descrição de chapéu Financial Times

Corrida à Lua ressurge com novas motivações e novos atores

Analista estima que há mais de 400 missões lunares públicas e privadas planejadas em dez anos

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Lua, que está com a cor azul, está no centro da imagem

Superlua é registrada do distrito Kamrup, em Assam, na Índia, país que recentemente entrou para o restrito grupo que conseguiu concluir um pouso na Lua Biju Boro/AFP

Peggy Hollinger Benjamin Parkin
Londres e Nova Déli | Financial Times

Um grito de triunfo se espalhou pelo centro de controle de missão em Bangalore quando o módulo de pouso do Chandrayaan-3 tocou suavemente a superfície lunar, no último dia 23. "A Índia está na Lua", disse um sorridente e visivelmente aliviado S. Somanath, presidente da Organização Indiana de Pesquisa Espacial, a ISRO.

A sensação de que se vivia um momento histórico era nítida. Não apenas porque a Índia é apenas o quarto país a pousar na Lua, após os EUA, China e Rússia, mas porque o módulo lunar Vikram, do Chandrayaan-3, é o primeiro a pousar perto do polo sul da Lua, até agora inexplorado.

Ele não será o último. Meio século depois do fim da corrida espacial entre a União Soviética e os Estados Unidos, um número inusitado de países preparam suas próprias aventuras lunares.

Em breve, a agência espacial do Japão vai tentar seu próprio pouso lunar não tripulado, e a Coreia do Sul pretende fazer isso ainda neste ano. Outros, como Canadá, México e Israel, planejam enviar rovers para explorar a superfície lunar. Seis agências espaciais internacionais estão fazendo parceria com o programa Artemis, da Nasa, que pretende levar humanos de volta à Lua até 2025. E a China prevê enviar seus taikonautas à superfície lunar até 2030.

superfície cinza com alguns buracos
Registro da superfície lunar feito pela missão Chandrayaan-3 assim que foi concluído o pouso, no dia 23 de agosto deste ano - ISRO/AFP

Nos anos 1960, quando os EUA e a URSS travaram uma corrida para ser os primeiros a pôr os pés sobre o único satélite natural da Terra, a exploração lunar era dirigida principalmente por governos e conduzida por agências espaciais nacionais. Embora os programas espaciais possibilitassem benefícios tecnológicos e econômicos derivados, ir à Lua era principalmente uma questão de orgulho nacional.

Mais de meio século mais tarde, os atores e as motivações mudaram. A exploração, incluindo as missões lunares, ainda é dominada por grandes potências econômicas, mas o uso do espaço de modo mais geral se ampliou para incluir muito mais países e empresas privadas.

"A tecnologia para a exploração espacial caiu muito de custo e sob alguns aspectos foi convertida em commodity", diz Brian Weeden, diretor de planejamento de programas da Secure World Foundation, think tank americano que enfoca o uso sustentável do espaço.

"É também por isso que temos mais países explorando veículos de lançamento e se interessando pelo espaço. E, quando se interessam pelo espaço, a Lua é vista como um objetivo ao mesmo tempo grandioso e alcançável."

Além do prestígio nacional, ainda um fator importante nos pousos na Lua, Weeden diz que muitas das missões lunares visam determinar "o que realmente existe ali que possa ser útil".

"Alguns especialistas pensam que há valor militar, estratégico e econômico imenso em termos uma presença na Lua. Outros pensam que há recursos naturais que necessitamos. A realidade é que não sabemos."

Assumir a pole position

O fato de a Índia ter escolhido o polo sul da Lua para fazer seu pouso é significativo. Quando a última missão Apollo deixou a Lua em 1972, cientistas julgaram que o satélite fosse seco e árido. Desde então, porém, sondas indicaram a possibilidade de haver grandes depósitos de água congelada e metais de terra-rara ocultos nas crateras escuras e geladas do polo sul.

A China e os EUA querem usar a região como base para explorar os confins mais distantes da Lua, com o objetivo de mais longo prazo de aprender como viver e trabalhar em outro planeta. Seus preciosos recursos hídricos, se não puderem ser usados para beber, poderiam ser decompostos em hidrogênio, para combustível, ou oxigênio, para a respiração. E a esperança é que, com uma presença permanente, mais recursos valiosos pudessem ser encontrados na Lua para dar suporte a missões que explorarão o espaço profundo por mais distância.

Nossa meta é aprender a viver e operar na Lua e fazer ciência na Lua, para que, quando isso for possível, possamos ir a Marte

Jim Free

administrador da Nasa para o desenvolvimento de sistemas de exploração

Farejando a disposição política de gastar valores grandes com missões lunares —só a Nasa prevê gastar cerca de US$ 93 bilhões com a Artemis até 2025—, empresas de todo o mundo também estão subindo no bonde. As empresas americanas Intuitive Machines e Astrobotic disputam a operação dos primeiros pousos lunares comerciais neste ano, após o fracasso da japonesa ispace em abril.

"Há muito interesse no momento", diz Dallas Kasaboski, analista da consultoria espacial NSR e autor de seu relatório anual Lunar Markets. Kasaboski estima que há mais de 400 missões lunares públicas e privadas planejadas entre 2022 e 2032, sendo que um ano atrás apenas 250 missões eram previstas para o mesmo período. Embora muitos dos programas atuais, incluindo o da Índia, tenham sido concebidos muitos anos atrás, "nos últimos dois anos assistimos a um desenvolvimento e engajamento muito maiores com as atividades lunares", ele diz.

Mais barato, mas ainda difícil

Essa aceleração tem sido beneficiada pela queda rápida dos custos de acesso e operação no espaço e pela visão crescente do espaço como um campo estratégico.

O desenvolvimento de foguetes comerciais reutilizáveis como o Falcon 9, da SpaceX, é estimado pela Nasa como tendo cortado em 95% o custo —por quilograma de carga— de lançamento na chamada órbita baixa da Terra. O envolvimento do setor privado no desenvolvimento de mobilidade lunar e serviços de comunicação promete fazer o mesmo.

O interesse também vem crescendo devido ao fato de os programas lunares da China e dos EUA estarem finalmente amadurecendo, após anos de atrasos, diz Bleddyn Bowen, professor de relações internacionais na Universidade de Leicester e autor de "Original Sin: Power, Technology and War in Outer Space" (Pecado original: poder, tecnologia e guerra no espaço sideral). "Finalmente existe a tecnologia pronta para isso."

Mas, embora hoje haja aproximadamente 100 mil vezes mais poder de processamento embutido em um iPhone do que foi usado pelo computador que levou os primeiros homens à Lua, chegar à Lua ainda é uma empreitada de risco. "O espaço é um lugar de sonhos desfeitos e promessas não cumpridas", diz Bowen. "Ainda é extremamente difícil acertar tudo, no dia e no momento."

Não há GPS para orientar uma nave espacial, não há atmosfera para desacelerar um veículo que desce em velocidade muito alta em direção à superfície da Lua. A Lua está coberta de crateras e escombros, e as sombras que eles lançam se prestam facilmente a ser mal interpretadas por sensores.

A Índia foi bem-sucedida no último dia 23, mas apenas depois de uma missão anterior, em 2019, ter fracassado. Dias antes da nave Chandrayaan-3 pousar, o módulo de pouso russo Luna-25 saiu de controle e caiu.

Yuri Borisov, diretor da agência espacial russa, Rosmocosmos, atribuiu o fracasso a um hiato de 50 anos no programa lunar de seu país. "A experiência de valor inestimável que nossos predecessores acumularam nas décadas de 1960 e 1970 foi praticamente perdida durante a interrupção do programa", afirmou ele.

Mas o risco de falhas não levou a China, os EUA e países como a Índia a desistir de buscar o prestígio proporcionado por uma missão lunar bem-sucedida. E eles tampouco parecem estar preocupados com a incerteza em relação aos resultados práticos que esses projetos de alto custo vão possibilitar. Para muitos, a atração principal é a vantagem de ser o primeiro em um campo em que o potencial ainda é desconhecido.

"Se você é uma grande potência na Lua, terá grande influência na definição dos detalhes da governança lunar", explica Bowen.

A governança da Lua será a base de todo o resto que pode vir a seguir nos próximos cem anos, mais ou menos, e, se a Lua ficar um pouco mais viável economicamente, você já estará presente ali

Bleddyn Bowen

professor de relações internacionais na Universidade de Leicester

Governança lunar

Foi o medo de perder para a China que levou os EUA a reorientar seus esforços de exploração espacial para longe de Marte e de volta à Lua, em 2017. Em dois anos a China havia demonstrado sua capacidade lunar, com o primeiro pouso bem-sucedido no lado mais distante da Lua.

Agora a China e os EUA estão de olho no polo sul e até em alguns dos mesmos pontos de alunissagem, e seus planos provocaram receios de um possível conflito.

"A potência dominante vai poder frustrar as ambições de outras, ocupando território e procurando policiá-lo", escreve Tim Marshall em seu livro sobre o poder e a política no espaço, "The Future of Geography". "Os primeiros a se estabelecer serão os primeiros a acessar a potencial riqueza da Lua."

O diretor da Nasa, Bill Nelson, alertou no início do ano que a China pode começar a reivindicar território na Lua sob o pretexto da pesquisa científica, alegação que foi rejeitada pelos chineses.

Mas seus comentários chamaram a atenção para a necessidade urgente de serem traçadas novas diretrizes internacionais sobre a exploração da Lua, se quisermos que as missões lunares planejadas transcorram pacificamente. O Acordo Lunar de 1979 não foi ratificado pela Rússia, China ou pelos Estados Unidos, que, em vez disso, traçaram suas próprias regras, conhecidas como os Acordos de Artemis. Nem a China nem a Rússia firmaram os acordos.

"Será muito importante que todos os países que vão para a Lua exijam um conjunto de regras e que essas regras sejam bem implementadas", diz David Avino, executivo-chefe da empresa de engenharia espacial Argotech, que tem ambições de desenvolver um negócio lunar próspero.

Mas a competição já começou. E já não envolve apenas os EUA e a China. Também a Índia tem ambições de levar humanos para o espaço, e sua abordagem de baixo custo vem se mostrando altamente bem-sucedida até agora. A missão Chandrayaan-3 teria custado US$ 73 milhões, uma fração do custo de outros pousos lunares.

O programa espacial indiano, que nasceu 54 anos atrás, enfocou inicialmente o desenvolvimento doméstico —ajudar a construir infraestrutura de comunicações, aprimorar o monitoramento de plantações e os sistemas de aviso antecipado de ciclones. Mas, com a ascensão da China, suas prioridades mudaram.

O primeiro teste de míssil antissatélite de Pequim, em 2007, "produziu um consenso unânime de que a Índia precisava fazer alguma coisa para proteger seus próprios ativos no espaço", diz Rajeswari Pillai Rajagopalan, analista do "think tank" Observer Research Foundation, em Nova Déli. A Índia testou seu próprio míssil antissatélite em 2019.

A Índia também buscou se contrapor ao poderio da China, formando parcerias para a exploração espacial, incluindo potenciais missões futuras à Lua, com o Japão, e a Vênus, com a França.

Ao longo do caminho, ela construiu uma capacidade espacial substancial. "A Índia não é uma potência espacial nova", diz Bowen. "Ela lançou seu próprio satélite em seu próprio foguete pela primeira vez em 1980."

A missão bem-sucedida em agosto vai reforçar os esforços do primeiro-ministro Narendra Modi de caracterizar a Índia como uma potência global de primeira linha em termos econômicos, tecnológicos e militares sob seu governo, com a cúpula dos líderes do G20 em Nova Déli neste mês e eleições nacionais em 2024.

Contrastando com isso, o fracasso da Luna-25 lançou uma sombra sobre a credibilidade da Rússia como potência espacial. "Nos últimos 15 anos temos visto muitas razões para nos preocuparmos com a vitalidade e saúde do programa espacial russo", disse Weeden, da Secure World Foundation. "Eu não diria que o programa espacial russo está acabado, mas está em trajetória de queda, enquanto o da Índia está em ascensão."

Bowen nota que a Índia é autossuficiente em todos os campos chaves necessários para projetar poder no espaço: infraestrutura, serviços econômicos e inteligência militar.

"Logo, se ela implementar um programa agressivo de exploração lunar, isso levará tempo e dinheiro, sim, mas ela poderá fazê-lo."

Tradução de Clara Allain

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