Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

Golpismo bolsominion

O golpe foi tão anunciado, que perdeu o trunfo do efeito surpresa

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"A revolução será tuitada" dizia-se, mas o golpe é que foi tuitado e zapeado: "Todos os bolsonaristas com a camisa verde e amarela tem que ir pra frente dos quartéis, se não, nada vai acontecer. Tem que ir pra frente dos quartéis e pedir intervenção militar". Assim a "esposa de um capitão do exército" se dirige, em zap, aos "cidadãos do bem". Conclama, entre lágrimas e berros, a "calejar o dedo" retransmitindo o áudio, "se não já era Brasil, vai virar uma Venezuela". Ecoava áudio similar do deputado e filho 03.

Especulações pré-eleitorais pintavam o golpe em modelito anos 60, com tanques na rua, homenagem do presidente ao regime que o inspira. Mas vingou a modalidade hightech, com ferramentas modernas a serviço do propósito antigo de impor liderança política à força.

Manifestante em ato golpista em São Paulo - Mathilde Missioneiro/Folhapress

A organização cibernética impôs nova anarquia, mas golpe é sempre caótico. O futuro envelopa como "golpe" o malsucedido e como "revolução", o exitoso, mas enquanto a ação está acontecendo, trata-se apenas de um fluxo vertiginoso e confuso de eventos, sem linha reta. Há planejamento, improviso e imprevistos. Há quem tente dirigir e acabe dirigido, como há os incontroláveis. Até uma tendência se consolidar, a sequência é atabalhoada, com voltas e reviravoltas. Golpe não é fotografia, é filme, e quem deslancha a ação não controla o desfecho.

Os bolsominions são chegados num revólver, mas a desorganização de um regime político pode vingar sem força bruta. Por exemplo, estrangulando a circulação de mercadorias e pessoas. O locaute atual é inspirado no dos anos Temer, quando Bolsonaro confraternizou com os manifestantes. O movimento conta com infraestrutura empresarial, dos comes e bebes ao apoio logístico, simpatia de policiais, dos diretores da PRF e do Presidente da República.

Já o lado dos cidadãos golpistas prospera sem coordenação unificada. Cada braço local do movimento é uma comunidade, fundada em laços pessoais. Mensagens como a lá do começo circulam em grupos de amigos, parentes, vizinhos, colegas de trabalho. Uma rede dos que confiam mais uns nos outros que na imprensa ou no estado. Os seiscentos e tantos bloqueios são uma grande teia de pequenos grupos agindo em simultâneo e no mesmo rumo, mas autonomamente. É uma estrutura desestruturada, com perdão do oxímoro, de núcleos meio acéfalos, meio orientados, como as células terroristas.

Como acabará o "bolsogolpe"? Sem comando unificado, não há voz única capaz de desmobilizar todos os grupos. Tanto assim que golpistas do Rio do Sul declararam seguir com ou sem Bolsonaro. Mas fragmentação é também fraqueza. Como as torcidas organizadas mostraram, torna fácil desbaratar.

Quando as empresas recolherem os caminhões, premidas mais por multas que convicção democrática, a maioria dos golpistas voltará às suas rotinas. Restarão os ativistas profissionais. Os movimentos autoritários são muitos e farão barulho, mas, ao menos por ora, não atraem multidão.

O golpe foi tão anunciado, que perdeu o trunfo do efeito surpresa. As seguidas declarações golpistas dos últimos anos permitiram que as instituições se precavessem e pudessem responder com diligência e velocidade.

Esta antecipação facultou ao país acompanhar tudo em relativa calma e mesmo rir da tentativa de golpe, em saraivada de memes e piadas. Humor incentivado pela incompetência dos golpistas, que até nisso seguem seu líder. Fossem eficientes, em vez de rir, só restaria chorar.

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