Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Desoneração da folha: provisório que está virando definitivo

Como prorrogar outra vez um programa que tem 12 anos e nenhuma avaliação criteriosa?

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Não há qualificação melhor que a dada pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), para mais uma prorrogação da desoneração da folha de pagamento: "Um provisório que vai se tornando definitivo". Instituído em 2011, chegando a abranger 56 setores da economia e com impacto fiscal de R$ 25 bilhões ao ano, o programa sobrevive até hoje, cobrindo 17 setores, ao custo de R$ 10 bilhões ao ano.

A última prorrogação se deu em 2021, no pós-pandemia, e havia um grande receio de que o fim do programa viesse acompanhado de um cenário ainda mais adverso para o mercado de trabalho. Naquela ocasião, a taxa de desemprego alcançava o maior valor da série histórica, perto dos 15%, e a recomposição do emprego se dava de forma bastante desigual e lenta. A extensão, por mais dois anos, valeria apenas até 2023.

Mas, vencido o prazo, uma nova prorrogação —desta vez por mais quatro anos, até 2027— volta a ser discutida. Tendo obtido votação favorável na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), a proposta segue para uma segunda votação no mesmo colegiado antes de ser encaminhada para avaliação final da Câmara. Considerando a relevância do tema e os impactos econômicos e fiscais dessa política, torna-se importante debater as principais justificativas apresentadas pelo relator para essa nova prorrogação. Em particular: (1) a de que estamos em contexto econômico desafiador, que nos impele a agir para proteger os empregos; (2) a visão de que manter a desoneração não implica em cortes em políticas públicas; (3) e que a política tem efeitos positivos em emprego e por isso deve ser mantida.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Diogo Zacarias - 14.mai.23/Ministério da Fazenda

Em primeiro lugar, cabe notar que o mercado de trabalho vem se recuperando de forma surpreendente desde o fim da pandemia. A taxa de desemprego, em 8,5%, corresponde ao menor nível da série histórica desde 2015. O emprego segue em expansão e há mais admissões que desligamentos em posições com carteira assinada. Os salários acumulam ganhos reais, com reajustes que estão se dando acima da inflação. A atividade econômica segue resiliente e cresce sustentada por um bom primeiro trimestre do setor agropecuário. O processo desinflacionário pelo qual passa a economia é evidente, tornando o ciclo de corte de juros um tanto mais provável em futuro próximo. Assim, não poderia haver cenário mais favorável que o atual para a reavaliação da política de desoneração da folha de pagamentos, ao contrário do argumento em (1).

Segundo, é comum a visão de que a política de desoneração não disputa recursos com outros gastos do governo, já que o gasto tributário fica fora do limite para o crescimento das despesas estabelecido no novo regime fiscal. Nesses termos, é mesmo verdade que manter a desoneração não implica em cortes em políticas sociais. Mas R$ 10 bilhões que deixam de ser arrecadados não deixam de ser R$ 10 bilhões a mais que poderiam ser destinados para a educação, para o sistema público de saúde ou para as assistências sociais. Quando o orçamento público é pensado de forma integrada, os custos (de oportunidade) ficam evidentes, em contraste ao argumento em (2).

E, terceiro, é recorrente a narrativa de que a política de desoneração estimula a criação de empregos. Pode até ser verdade, mas não há, até o momento, nenhum relatório de avaliação do governo sobre o custo-efetividade da desoneração da folha ao longo de sua vigência. Além disso, há inúmeras outras políticas que alcançam esse mesmo objetivo —como programas de qualificação e treinamento dos trabalhadores, mudanças na legislação trabalhista ou mudanças na estrutura tributária de forma mais ampla— e cabe questionamento se a desoneração da folha para 17 setores específicos é a melhor forma de ampliar o crescimento do emprego.

Discutir a desoneração da folha dentro de um contexto mais amplo, conforme defende o governo, faz muito mais sentido que prorrogar, mais uma vez, uma política de eficácia duvidosa. Como justificar a urgência na prorrogação de programa que existe há mais de 12 anos sem nenhuma avaliação criteriosa?

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