Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Há razões para perpetuar políticas pouco eficazes?

Governo acertou ao editar MP para retomar tributação em setores beneficiados por isenções fiscais

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No final de 2023, o governo editou medida provisória com ações direcionadas à recomposição do Orçamento público. Entre elas, estão medidas que retomam a tributação em setores beneficiados por isenções fiscais, como a reoneração da folha de pagamentos e a volta da tributação sobre o setor de eventos.

São duas decisões bastante acertadas, pois ambos os programas foram criados para existirem de forma temporária, e uma renovação ou continuidade não se justifica mais.

No caso da desoneração da folha, a baixa eficácia do programa fez com que ele fosse perdendo relevância ao longo do tempo, e desde a sua criação, em 2011, o número de setores beneficiados caiu de 56 para 17.

Um estudo ["Payroll Tax, Employment and Labor Market Concentration"] estima que o custo do programa por emprego gerado está na ordem de US$ 17 mil (em valores de 2018), e que, em perspectiva comparada, ele custe 2,1 vezes mais por emprego gerado que aqueles que são criados através de programas de transferências federais para os municípios.

Renovar desoneração da folha por mais 5 anos, conforme proposta do Congresso, é o que traz incerteza para o planejamento fiscal do governo - Gabriel Cabral/Folhapress

Outro estudo ["Os setores que mais (des)empregam no Brasil" ] documenta que os setores desonerados não são os que mais empregam e que estes setores, ao contrário do esperado, reduziram sua contribuição no total de pessoas ocupadas da nossa economia. Dito de outra forma, a desoneração da folha é cara e não há justificativa econômica razoável para mantê-la.

Entretanto, como o programa já dura muitos anos, alguns argumentam que o seu fim traria insegurança jurídica para as empresas, que contavam com a renovação da desoneração para além de 2023. Pode até ser que sucessivas renovações deste programa abram espaço para a interpretação de que ele fosse mantido ad aeternum, mas o fato é que sua última renovação já previa uma data fim para o programa em 2023.

Renová-lo novamente por mais cinco anos, conforme proposta do Congresso, é o que traz incerteza para o planejamento fiscal do governo, que contava, de forma coerente, com o fim de um programa pouco eficaz.

Já com relação ao Perse (Programa Emergencial da Retomada do Setor de Serviços), que valeria até o final de 2026, é legítimo argumentar que sua revogação trará prejuízos às empresas que fizeram planejamentos e investimentos de acordo com as isenções que seriam concedidas.

Mas também é igualmente válido reavaliar a continuidade do programa ao longo de sua execução quando se constata que os seus custos estão 4 a 7 vezes maiores que as estimativas iniciais. De acordo com a Receita Federal, o valor pode alcançar R$ 32 bilhões em 2023.

A enorme discrepância entre os custos estimados e realizados para o Perse podem ser decorrentes de inúmeras razões, que vão desde cálculos que não levam em conta mudanças comportamentais das empresas na forma como atuam e se classificam até fraudes que respondem a uma isenção fiscal muito vantajosa.

Ele também pode ser decorrente da recuperação do setor, que já cresce como os demais setores da economia, fazendo com que sua base tributária tenha se tornado maior.

O fato é que a pandemia ficou para trás, e não há nenhuma indicação de que setor de eventos precise de ações emergenciais para compensar os impactos pandemia da Covid-19: tanto indicadores de emprego quanto de atividade mostram uma recuperação que acompanha os demais segmentos do setor de serviços.

O Orçamento público é, no fim das contas, integrado: um benefício tributário dado a uns é um recurso que deixa de integrar o orçamento e que deixa de ser direcionado a outros importantes programas e políticas públicas.

Custos de oportunidade no uso dos recursos e avaliação criteriosa da efetividade também precisam ser ponderados. Em quais outras políticas poderíamos alocar os recursos destinados ao Perse e à desoneração da folha com efeitos em emprego, produtividade e crescimento muito maiores? A insegurança jurídica não deveria constituir motivo único para perpetuar políticas pouco eficazes.

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