Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros

Taxar os ricos não é pecado

Governo Lula não quer proibir riqueza, mas que paguem os mesmos impostos que todo mundo paga

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No último dia 2, a Folha publicou artigo de João Camargo, presidente do grupo Esfera Brasil, com críticas à proposta do governo Lula de taxar os super-ricos. O artigo tinha o título "Ser rico não é pecado".

Para sustentar suas críticas, Camargo argumenta, primeiro, que taxar os ricos é difícil: os impostos sobre grandes fortunas (diferentes, portanto, da proposta do governo Lula) foram abandonados em diversos países porque os ricos sempre encontram formas de enviar seu dinheiro para fora do país.

Não há dúvida de que taxar os muito ricos é difícil, e que zerar a evasão fiscal é provavelmente impossível. Por outro lado, o mesmo raciocínio se aplica à corrupção ou à criminalidade urbana. Camargo defende que abandonemos o combate a qualquer uma das duas?

Se o argumento de Camargo for "os ricos vão dar um jeito de, no ano seguinte, pagar menos impostos do que Haddad e Lula esperam", ele pode ter razão. Mas qual a alternativa? Desde já deixar que não paguem nada do que deveriam pagar?

O atual diretor no Banco Central, Gabriel Galípolo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e os empresários João Camargo e Camila Camargo, durante jantar promovido pelo grupo Esfera Brasil, em Brasília - Jefferson D. Modesto - 15.fev.23/Divulgação

Um governo que seguisse o conselho de Camargo estaria dizendo para o público brasileiro que os aposentados só contribuíram para o ajuste fiscal, na reforma da Previdência, porque não tinham como receber aposentadorias mais altas em sigilo nas Ilhas Virgens Britânicas.

Que legitimidade teria esse governo para fazer qualquer ajuste fiscal?

Já é assustador que a proposta de taxar os muito ricos não tenha sido implementada antes das outras reformas que buscaram equilibrar as contas públicas.

O argumento da dificuldade de taxar os super-ricos, ao menos, tem base na realidade. Mas Camargo vai além e argumenta que: (a) cobrar impostos sobre os ricos contraria a meritocracia; e (b) cobrar impostos dos ricos prejudica o investimento e o crescimento da economia.

Quanto à meritocracia, a tese foi extensamente criticada em artigo de André Roncaglia nessa semana, também na Folha.

Acrescento que: (a) o sucesso no mercado é uma medida muito imperfeita de mérito: para o mercado, não importa, e não tem que importar, se você atendeu à demanda de seus consumidores melhor que seus competidores por esforço, talento, sorte, herança, ou qualquer combinação desses fatores. E: (b) impostos não são punição à riqueza não merecida, são o reconhecimento de que há obrigações sociais que precisam ser financiadas coletivamente. Rendas obtidas de maneira ilegítima não são taxadas em nenhum lugar do mundo: são confiscadas em sua totalidade.

Quanto ao efeito da taxação dos ricos sobre o investimento, certamente deve haver uma alíquota alta o suficiente para desestimular o investimento. Mas se isso fosse verdade para qualquer alíquota, os países com altas taxas de investimento teriam abolido a taxação dos ricos. Isso não aconteceu em lugar nenhum. O ônus de provar que a proposta atual do governo paralisaria o investimento era de Camargo, e ele não ofereceu qualquer evidência disso.

Camargo tem razão em dizer que ser rico não é pecado. Gostaríamos que mais gente, especialmente de origem pobre ou de grupos historicamente marginalizados, enriquecesse.

Mas o governo Lula não quer proibir ninguém de ser rico. Só quer que os ricos paguem os mesmos impostos que todo mundo paga. Opor-se a isso é incorrer em avareza, que já era considerada pecado desde muito antes do governo Lula.

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