Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus CPI da Covid

Faço uma aposta com Aras

Não haverá denúncias nem respeito à CPI; haverá verborragia e medidas inócuas

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Augusto Aras trabalha. Esbanja licenciosidade jurídica e parvoíce verbal para não fazer o que não faz e nem deixar que alguém o faça. Como o dever de investigar autoridades de alto calibre.

Não falta engenho e suor para neutralizar a cúpula e intimidar a base do Ministério Público e assim fabricar impunidade em escala. De indolência e fraqueza da vontade o PGR não padece.

Jair Bolsonaro explorou cratera mal percebida da Constituição brasileira: nomeou procurador-geral fora da lista tríplice da carreira; disse, no dia um, que o PGR estava na corrida pelo STF se fosse bem comportado, pois não precisa cumprir quarentena.

Coube a Aras aderir ao contrato e assegurar omissão, sem perder o verniz de legalidade. Virou síndico dessa arquitetura da omissão.

Aras se fez a única autoridade individual irrecorrível do país. STF acomodou-se nessa interpretação e não restou saída. Aras pode arquivar qualquer pedido de investigação.

Construiu caminho ainda mais elaborado: anuncia abrir "averiguações preliminares" que, ao contrário de um inquérito, dispensam supervisão do STF. E, quando conveniente, sem alarde, manda arquivar.

Assim julga cumprir sua meta oficial de "despolitizar o MP", supostamente invadido por "facções políticas e ideológicas", e "descriminalizar a política". Na prática, deixou a instituição a soldo da ideologia mais letal da história brasileira.

Na caneta e no discurso, não se conhece ato de Aras que tenha contrariado Bolsonaro, o presidente de 140 pedidos de impeachment e cinco reclamações ao Tribunal Penal Internacional, que não enfrenta a Covid como "maricas", mas de "peito aberto", sem máscara e sem vacina.

Essa recapitulação já foi bem contada e documentada.

Em 27 de outubro, recebeu o relatório final da CPI do Senado sobre a pandemia, documento que aponta responsabilidades na maior tragédia humanitária da história brasileira. Aras pediu um mês para analisar.

No meio tempo, foi convidado pelo Senado a prestar contas pelo silêncio. Avisou que neste sábado, 27 de novembro, anunciará as providências.

Gostaria de fazer uma aposta com Aras. Enumero cinco expectativas que deve cumprir neste sábado. Primeiro, aposto no verbo floreado e no cenho franzido, uma barbada.

Segundo, aposto que reduzirá o valor do trabalho da CPI. Deve concentrar suas forças em questionar a legalidade das provas ali produzidas. Em vez de dar encaminhamento criminal, deve gastar todo o tempo possível na tentativa de refazer o que a CPI já fez. Técnica protelatória.

Os códigos para isso ele já enunciou: "reserva de jurisdição" e "cadeia de custódia", dois requisitos que a CPI não violou.

Esse desrespeito ao trabalho da CPI também implica duas contradições: quando Rosa Weber, durante a CPI, requereu investigação do PGR, ele afirmou que a CPI já vinha investigando e, portanto, nada cabia a ele; ignora também que a Constituição dá à CPI poderes de investigação similares aos judiciais.

Terceiro, aposto que não haverá denúncia alguma contra ator relevante. Talvez contra algum soldado raso.

Quarto, aposto que, se inquérito houver, caminhará a passos de tartaruga, como o inquérito sobre interferência na PF. Abusará do incidente processual.

Quinto, aposto que tentará manter atores sem foro privilegiado (como Carlos Bolsonaro) sob sua alçada, impedindo a primeira instância. Construirá alguma conexão artificial para fundamentar a manobra.

Se eu perder, ofereço cinco livros da prateleira voltada aos vícios e virtudes da política: "Discurso da Servidão Voluntária" (La Boétie); "História de uma Covardia" (Mauricio de Lacerda, que descreve o estado de sítio que o levou ao encarceramento nos anos 1920); "Pulhas de Batina" (Francisco da Silva).

E dois livros inspiradores sobre a vanguarda da colaboração premiada no século 20: "Os Colaboradores de Hitler" (Philip Morgan); "Perpetrando o Holocausto: Líderes, Facilitadores e Colaboradores" (Paul Bartrop e Eve Grimm).

Aos senadores que acreditaram num Aras mais independente e castiço no segundo mandato, como se do servilismo emergisse um servidor público remoçado e respeitável, ofereço um pão de mel da Kopenhagen direto da Barra da Tijuca. Será por conta do proprietário da loja, em agradecimento pela descriminalização da política.

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