Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

Inspiração para Courbet e Baudelaire, absinto tinha fama alucinógena

Bebida com alto teor alcóolico passou décadas proibida e só foi liberada no Brasil em 2001

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Muitos fugiam do monstro de olhos verdes, como era chamado o absinto. Alguns viam-no mais como uma fada, la fée verte. Dentre estes, Gustave Courbet, o pintor que abriu as pernas do mundo, e Arthur Rimbaud, que buscava nos versos ébrios "uma forma de mudar a realidade".

Revolucionários, ambos apoiaram a Comuna de Paris, 150 anos atrás. Foram 72 dias de democracia radical. Operários, artesãos e artistas se uniram num autogoverno laico, horizontal, em que todos tinham direitos iguais, o que incluía as mulheres, historicamente relegadas a segundo plano, que também pegaram em armas.

A boemia e o canto eram parte da luta. Os conservadores, porém, não suportavam aquela embriaguez de liberdade. No final de maio, derrubaram as barricadas, feitas com as pedras das ruas. Vinte mil communards foram executados, por baixo.

Courbet, conselheiro da Comuna, foi preso e exilado. Perdeu todos os bens, mas não a galhardia. Figura maior que a vida, bebia absinto com a mesma disposição com que pintava e cortejava as mulheres.

Em 1866, terminou o quadro mais escandaloso da história da arte. Desfazendo-se de "todos os preconceitos, convenções e tendências do gosto", como escreve Giulio Carlo Argan, revelou a parte mais íntima da mulher tal como ela é, "pura constatação do verdadeiro". Mesmo Lacan ficava perturbado com "A Origem do Mundo". Tendo adquirido o quadro, o grande psicanalista preferia escondê-lo.

A probição do absinto

Manet foi menos ousado, mas igualmente polêmico. Seu "Bebedor de Absinto", de 1859, mostrava um bêbado elegante, com sua cartola e uma garrafa. Era muito para uma sociedade acostumada a retratos da aristocracia e cenas da mitologia grega.

Quinze anos depois, Degas convidou quem visse a tela "L'Absinthe" a sentar-se ao lado de um pintor entediado e uma prostituta entorpecida. A desolação da cena é atenuada pela taça cheia na mesa, com sua promissora luz verde.

Tomar dessa taça tornara-se uma experiência estética. Oscar Wilde ("resisto a qualquer coisa, menos à tentação"), Van Gogh e Baudelaire que o digam. Em "Veneno", o poeta que semeou as "Flores do Mal" tem sua "pobre alma virada do avesso" pelo absinto. Seus sonhos, continua, "anseiam em beber nesses lagos verdes de adversa voragem".

O absinto cocktail, que leva absinto francês, um torrão de açúcar e água gelada
O absinto cocktail, que leva absinto francês, um torrão de açúcar e água gelada - Mikio/Divulgação

Conta-se que odiava água. Se via um jarro na mesa, pedia ao garçom que tirasse aquele líquido odioso e lhe trouxesse doses generosas de fée verte. Toulouse-Lautrec, por sua vez, levava um frasco de absinto escondido na bengala, para escapar da patrulha de familiares.

É que o destilado tinha a fama de provocar alucinações. Verdade que uma de suas substâncias tem esse poder, a tujona. Mas só em doses cavalares. A alta concentração de álcool, que vai de 50% a 80%, explica melhor o efeito, acentuado pela mística.

Mas essa lógica não bastou aos censores. Considerada uma droga, a bebida, comumente tomada com um torrão de açúcar, foi proibida na maior parte do mundo por décadas (no Brasil, foi liberada em 2001), mantendo-se como ingrediente clandestino de centenas de coquetéis, entre eles o Duchess, de 1930.

Johnny Depp conhece bem a França e apresentou o absinto a seu amigo Marilyn Manson. Entusiasmado pela lenda e pelo sabor, o cantor de feições lúgubres criou sua própria marca, Mansinthe. E colocou um monstro verde no rótulo.

DUCHESS

Ingredientes

  • 45 ml de vermute doce
  • 45 ml de vermute seco
  • 15 ml de absinto

Passo a passo
Mexer os ingredientes com gelo e coar para uma taça coupe gelada. Enfeite com uma casca de laranja.

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