Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Drinque lendário faz a festa em 'Druk - Mais Uma Rodada', vencedor do Oscar

Considerado por muitos o primeiro coquetel americano, o sazerac já foi vendido em garrafas

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São Paulo

Ele já estava indo embora, mas deu uma olhada no copo. A bebida brilhava sob o sol da tarde. Da tentação ao gole foi um segundo. O naufrágio era certo. Mas seria um naufrágio delicioso.

A cena está em "Druk - Mais uma Rodada", vencedor do Oscar de melhor filme internacional. No filme, Mads Mikkelsen faz o professor que cede à bebida. Ele embarca, com os colegas, numa pesquisa empírica sobre os efeitos aprimoradores do álcool.

Depois de tentativas tímidas, os quatro resolvem levar a experiência ao limite, à catarse plena. O sazerac, coquetel oficial de New Orleans, é o veículo escolhido para a viagem emancipatória.

Escolha poética, já que o sazerac é considerado por muitos o primeiro coquetel americano. No auge da popularidade, chegou a ser vendido em garrafas. Está ligado à história de Antoine Peychaud, imigrante do Haiti. Ele servia conhaque com bitters em sua farmácia, no quarteirão francês de New Orleans, já nos anos 1840. Em vez de taças, usava "coquetiers", recipientes de ovo mollet. Na pronúncia da Louisiana, virou "cocktail". É uma das muitas lendas sobre a origem do termo.

Um linguista sugeriu que, na verdade, a palavra vem de "kaketal", ou "escorpião" em dialeto da África Ocidental. O sentido é vago. Que bicho o picou?

Para os professores de "Druk", foi o sazerac. Sentindo-se livres das amarras do dia a dia, começam a dançar com os copos na mão, à Big Lebowski. O som é dos Meters, banda funk da mesma New Orleans do coquetel, berço também do jazz.

Drinque sazerac - Rogerio Canella/Folhapress

Só que eles o tomam com gelo, uma heresia. Para Spencer Amereno, possivelmente o primeiro bartender brasileiro a preparar a mistura, no histórico bar My NY, o gelo estraga a "configuração sensacional do sazerac". Artista dos balcões há 21 anos, Spencer pilota hoje o estrelado Guilhotina, depois de bem-sucedida passagem pelo Frank Bar. Em sua carta desponta o verjus, coquetel feito com insumos nacionais.

Fato é que o sazerac mudou com o tempo, ficando próximo de um old fashioned. Culpa do filoxera, inseto que devastou boa parte dos vinhedos franceses entre 1860 e 1870. Os conhaques, como o Sazerac de Forge et Fils, que deu nome ao drinque, ficaram escassos nos Estados Unidos, abrindo caminho para o uso do rye, uísque de centeio, e do bourbon, feito com milho.

A mudança é sublinhada no filme "O Curioso Caso de Benjamin Button", baseado em conto de F. Scott Fitzgerald. Benjamin nasce velho e vai rejuvenescendo ao longo da vida. Num certo momento, encontra o pai que o havia abandonado. Este o convida para beber num belo bar da Big Easy (apelido de New Orleans).

Pedem sazeracs, "com uísque no lugar do conhaque". O enrugado Benjamin, ainda um adolescente, engasga com o primeiro gole. Anos depois, repetem a dose. Nosso herói, agora um marinheiro experiente, dessa vez bebe como gente grande.

Louis Armstrong talvez também tenha engasgado com seu primeiro sazerac. Aos doze anos, disparou uma pistola na frente do lendário Eagle Saloon, na antiga New Orleans do dixieland. Preso, aprendeu a tocar trompete no reformatório (alô, Fundação Casa!).

O brinde vai, portanto, ao rei do jazz. Com conhaque. E sem gelo.

Refreshing Whiskey Sazerac Cocktail - Brent Hofacker/stock.adobe.com

SAZERAC

Ingredientes

  • 7 ml de absinto
  • Meio cubo de açúcar
  • 3 esguichadas de Peychaud's Bitters (ou angostura)
  • 10 ml de club soda
  • 60 ml do melhor conhaque

Passo a passo

Coloque um pouco de absinto num copo baixo, estilo old fashioned. Vire o copo até espalhar a bebida nas laterais e reserve. Coloque o açúcar no mixing glass, macere com bitter e coloque um pouco de club soda. Ponha gelo, conhaque e mexa. Coe para o copo com absinto.

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