Come-se e bebe-se muito no “Em Busca do Tempo Perdido”, de Proust, que estaria fazendo 150 anos neste sábado (10). É nas soirées oferecidas por nobres decadentes que tudo acontece. Podem durar meio livro, dos sete que compõem a obra-prima. Um jantar chega a ocupar 150 páginas.
Na escrita proustiana, a oralidade tem sua componente erótica, implícita e explícita. As conversas regadas a vinho e conhaque expõem desejos, amores e ambições. O ciúme, tema central, esconde-se nas bolhas do champanhe.
A Paris da Belle Époque espalha-se pelos bulevares abertos por Haussmann. À noite, restaurantes e bordéis se iluminam. No Folies Bergère, Suzon recebe em seu balcão, onde se acumulam garrafas de champanhe, vermute, cerveja Bass e creme de menta, tal como Manet o pintou.
No cassino de Incarville, Albertine e Andrée valsam “langorosamente, seio contra seio”, como descreve Michel Erman no seu dicionário de nomes e lugares do “Em Busca”. O desajeitado Cottard comenta com o Narrador: “Elas estão certamente no cúmulo do gozo”.
Prisioneira do amor possessivo de Marcel, Albertine experimenta o gozo também nos sorvetes do Hôtel Ritz, na Place Vendôme, onde Coco Chanel viveu e morreu. Imagina prová-los com “volúpia libidinal”. A sensação evoca a madeleine molhada no chá, porta para a reconstrução do passado.
O Ritz, palácio das mais elegantes mundanidades, foi inaugurado em 1898. Proust era um dos convidados na primeira noite de gala, para onde acorreu uma miríade de duques, princesas e cortesãs, como La Belle Otero, musa dos cabarés. Logo virou habitué de seus salões suntuosos.
Era lá que capturava os personagens para seu romance-rio. De seus aposentos, o asmático e recluso escritor pedia ao maître do hotel que lhe revelasse as manias e segredos dos hóspedes e comensais que o frequentavam.
Sentadas nas poltronas profundas do bar ou nas mesas do restaurante art noveau, as figuras da alta sociedade parisiense ganhavam contorno em fofocas chiques.
Hoje o hotel tem um Salon Proust, onde serve chá à francesa. Tem também um bar Hemingway. O onipresente escritor das libações literárias invadiu o Ritz no fim da Segunda Guerra, acompanhado de soldados aliados e suas metralhadoras. Foram libertar o hotel dos nazistas. Mas estes já tinham fugido.
Da janela de um dos quartos do Ritz, Woody Allen vislumbrou seu “Meia-noite em Paris”. Talvez tenha bebido um dos coquetéis criados por Colin Peter, o barman chefe. Como o Serendipity, feito com folhas de hortelã, suco de maçã e Calvados. O nome pode ser traduzido como acaso feliz, algo próximo de uma epifania. Proust aprovaria, acho. Assim como Simone de Beauvoir, Graham Greene e Cole Porter, assíduos no hotel.
O clássico sidecar também pode ter surgido no Ritz, mas há controvérsias. Tal como preparado por Frank Meier, barman lendário, é o coquetel mais caro do mundo. Isso porque ele usava conhaques da primeira metade do século 19, antes da peste que provocou a ruína dos vinhedos franceses.
Será difícil averiguar. Melhor irmos de Ritz Cocktail, criação do rei da mixologia moderna, Dale DeGroff (um dos pais do cosmopolitan). É uma boa forma de acompanhar a polifonia ficcional de Proust e, quem sabe, atingir um prazer “indiferente às vicissitudes da vida”.
RITZ COCKTAIL
- 30 ml de conhaque
- 15 ml de licor de laranja
- 10 ml de licor marrasquino
- 7 ml de suco de limão siciliano
- 45 ml de champanhe
Passo a passo
Mexa os primeiros ingredientes com gelo e coe para uma taça coupe. Complete com champanhe
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