Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Em busca do coquetel perdido no aniversário de 150 anos de Marcel Proust

Escritor tirava inspiração do bar do Ritz Hotel, que também era point de Simone de Beauvoir e Cole Porter

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Come-se e bebe-se muito no “Em Busca do Tempo Perdido”, de Proust, que estaria fazendo 150 anos neste sábado (10). É nas soirées oferecidas por nobres decadentes que tudo acontece. Podem durar meio livro, dos sete que compõem a obra-prima. Um jantar chega a ocupar 150 páginas.

Na escrita proustiana, a oralidade tem sua componente erótica, implícita e explícita. As conversas regadas a vinho e conhaque expõem desejos, amores e ambições. O ciúme, tema central, esconde-se nas bolhas do champanhe.

A Paris da Belle Époque espalha-se pelos bulevares abertos por Haussmann. À noite, restaurantes e bordéis se iluminam. No Folies Bergère, Suzon recebe em seu balcão, onde se acumulam garrafas de champanhe, vermute, cerveja Bass e creme de menta, tal como Manet o pintou.

No cassino de Incarville, Albertine e Andrée valsam “langorosamente, seio contra seio”, como descreve Michel Erman no seu dicionário de nomes e lugares do “Em Busca”. O desajeitado Cottard comenta com o Narrador: “Elas estão certamente no cúmulo do gozo”.

Prisioneira do amor possessivo de Marcel, Albertine experimenta o gozo também nos sorvetes do Hôtel Ritz, na Place Vendôme, onde Coco Chanel viveu e morreu. Imagina prová-los com “volúpia libidinal”. A sensação evoca a madeleine molhada no chá, porta para a reconstrução do passado.

O Ritz, palácio das mais elegantes mundanidades, foi inaugurado em 1898. Proust era um dos convidados na primeira noite de gala, para onde acorreu uma miríade de duques, princesas e cortesãs, como La Belle Otero, musa dos cabarés. Logo virou habitué de seus salões suntuosos.

Era lá que capturava os personagens para seu romance-rio. De seus aposentos, o asmático e recluso escritor pedia ao maître do hotel que lhe revelasse as manias e segredos dos hóspedes e comensais que o frequentavam.

Sentadas nas poltronas profundas do bar ou nas mesas do restaurante art noveau, as figuras da alta sociedade parisiense ganhavam contorno em fofocas chiques.

Hoje o hotel tem um Salon Proust, onde serve chá à francesa. Tem também um bar Hemingway. O onipresente escritor das libações literárias invadiu o Ritz no fim da Segunda Guerra, acompanhado de soldados aliados e suas metralhadoras. Foram libertar o hotel dos nazistas. Mas estes já tinham fugido.

Marcel Proust de ponta cabeça em uma escada bebendo com um canudo de uma garrafa
Pintura 'Marcel Proust Drinking Pernod', de Javier Mayoral - Javier Mayoral/Divulgação

Da janela de um dos quartos do Ritz, Woody Allen vislumbrou seu “Meia-noite em Paris”. Talvez tenha bebido um dos coquetéis criados por Colin Peter, o barman chefe. Como o Serendipity, feito com folhas de hortelã, suco de maçã e Calvados. O nome pode ser traduzido como acaso feliz, algo próximo de uma epifania. Proust aprovaria, acho. Assim como Simone de Beauvoir, Graham Greene e Cole Porter, assíduos no hotel.

O clássico sidecar também pode ter surgido no Ritz, mas há controvérsias. Tal como preparado por Frank Meier, barman lendário, é o coquetel mais caro do mundo. Isso porque ele usava conhaques da primeira metade do século 19, antes da peste que provocou a ruína dos vinhedos franceses.

Será difícil averiguar. Melhor irmos de Ritz Cocktail, criação do rei da mixologia moderna, Dale DeGroff (um dos pais do cosmopolitan). É uma boa forma de acompanhar a polifonia ficcional de Proust e, quem sabe, atingir um prazer “indiferente às vicissitudes da vida”.​

O coquetel Ritz
O coquetel Ritz - Cocktail Dudes

RITZ COCKTAIL

  • 30 ml de conhaque
  • 15 ml de licor de laranja
  • 10 ml de licor marrasquino
  • 7 ml de suco de limão siciliano
  • 45 ml de champanhe

Passo a passo
Mexa os primeiros ingredientes com gelo e coe para uma taça coupe. Complete com champanhe

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