No princípio era o fogo. Fornos a lenha reinavam nas cozinhas anteriores ao século 20. Preparar uma bebida gelada significava ter de serrar um pedaço de lago congelado. Bem mais fácil utilizar as chamas.
Como muitas drogas e bebidas, o hot toddy teria surgido nas mãos de um médico, há cerca de duzentos anos. Em Dublin, o doutor Robert Bentley Todd receitava uma mistura de conhaque, canela, limão e água quente para seus pacientes.
Era uma panaceia, curava de perna quebrada a coração partido, o que incluía reumatismo e dores de garganta. Jornais recomendavam drinques estimulantes e quentes para crianças com febre e nariz entupido. Como se vê, a moral e os bons costumes mudam com a temperatura.
Quando o sol se inclina no solstício de inverno e lança sombras compridas no chão, é natural buscar uma bebida quente. Dr. Todd estava certo na sensação causada por sua poção, que seria adaptada nas tavernas do velho oeste americano.
A ciência, essa entidade tão maltratada pelo governo que nos assola, diz, porém, que o conforto de calor provocado pelo álcool é passageiro. Tem a ver com a dilatação dos vasos próximos à pele. Na verdade, tomar álcool esfria o corpo.
Como somos imediatistas, isso não importa. Daí que o hot toddy, tão antigo quanto as carroças, se tornou uma espécie de canja de galinhas dos coquetéis, um aliviador das dores que o frio traz.
É parente distante, por afinidade, do nosso quentão —o energético das festas juninas —e da pinga com mel. O nome pode ser uma derivação do prestimoso médico irlandês, mas há quem sustente que vem da palavra taddy, referente a uma bebida indiana feita com a fermentação da seiva das palmeiras.
A gata em teto de zinco quente vivida por uma fogosa Elizabeth Taylor, no filme de 1958, não precisava saber de nada disso para tomar feliz seu hot toddy. Brick, o marido (Paul Newman), prefere uísque com gelo, o que condiz com sua frieza amargurada. Para o personagem da adaptação da peça de Tennessee Williams, beber é a busca de um clique na cabeça, aviso de que chegou o estado de tranquilidade. Naquela noite, o clique não vem, e, ele, um homossexual enrustido, revela então que bebe porque tem nojo da falsidade.
Bom motivo. Mas ainda melhor beber por prazer, como fazia Charles Dickens, o escritor que driblava as convenções abstêmias da era vitoriana e curtia um bom coquetel. Quando foi aos EUA, em 1842, vibrou com as muitas misturas oferecidas nos melhores saloons. Bebeu com gosto o mint julep, o timber doodle e o sherry cobbler.
Em "As Aventuras do Sr. Pickwick", o escritor menciona o hot whiskey, que é a versão do hot toddy feita com uísque do país de Joyce e dos policiais de Tana French. William Faulkner também tinha sua receita para o inverno, basicamente o mesmo remédio.
Um apaziguador de angústias e frios na barriga, o hot toddy foi muito cantado. Numa mutação da letra de Cole Porter para "You're the Top", o drinque aparece como um dos muitos elogios à pessoa amada. Depois de declarar que ela é o sorriso da Mona Lisa e a Torre de Pisa, diz: "você é o hot toddy do Ritz". Mais recentemente, Usher se juntou a Jay-Z na cândida "Hot Toddy". O drinque fumegante surge assim, em versão livre: "vem me esquentar, minha hot toddy".
E que tudo o mais vá para o inferno.
HOT TODDY
- 60 ml de uísque
- 60 ml de água fervente
- 10 ml de suco de limão-siciliano
- 10 ml de mel
Passo a passo
Mexa os ingredientes em uma caneca até dissolver o mel. Enfeite com uma canela em pau.
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