Há 120 anos nascia Ogden Nash. Mestre da poesia cômica, escreveu ao menos uma obra-prima dos versos etílicos. É "Tem um Quê no Martini", que segue, em tradução com um quê de improviso:
Tem um quê no martíni,
Que dá um gostoso formigamento;
Pálido, suave martíni;
Gostaria de tomar um no momento.
Tem um quê no martíni,
Que é perfeito assim,
Antes do jantar e da festa,
Talvez não seja o vermute—
Claramente é o gim.
Tem um quê no old fashioned
Que ao coração iluminou;
É calmante, suave e apaixonado
Como um poema de Swinburne ou Poe.
Tem um quê no old fashioned
E pode ser como ele cai,
No fim da tarde
Ou a fatia de abacaxi,
Mas suspeito que seja o rye.
Tem um quê no mint julep.
É néctar embebido em sonho,
Tão fresco como o botão da tulipa,
Tão fresco quanto um banho.
Tem um quê no mint julep,
Um perfume sem truque.
Talvez seja a hortelã
E a aparência de geada,
Mas acho que vem do Kentucky.
Tem algo que colocam no highball
Que desperta o cérebro mais entorpecido,
Que acende nos olhos um brilho de sol,
E desliza pelas veias no fluído.
Tem algo que colocam no highball
Que você notará um dia, por sorte;
Pode ser o refrigerante,
Mas julgando pelo aroma,
Parece que é o scotch.
Em outro poema, "Reflexões para Quebrar o Gelo", ele ensina como se enturmar numa festa: "Pode tentar/ a conversa fiada/ Mas está no álcool/ a escolha acertada."
Cioso de suas obrigações moralizantes, decretou, num estilo que lembra Mark Twain: "Se o Senhor nos deu agilidade/ foi para driblarmos a responsabilidade."
Muito famoso nos Estados Unidos, onde nasceu, cresceu, bebeu e morreu, participava de programas televisivos e também se arriscava nas letras de música. Como em "Speak Low", em que, numa brecha, vestiu as armas de Brecht e fez parceria com Kurt Weill.
A música, que parte de uma linha de "Muito Barulho por Nada", de Shakespeare (algo como "Fala baixinho se falar de amor"), ganhou mundo nas vozes de Billie Holiday, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Chet Baker, Marisa Monte e até Barbra Streisand.
Como boa parte dos comediantes, porém, Nash era mais irônico que romântico. No poema acima, de certa forma ele desfaz a aura dos coquetéis, dizendo que a graça não é o que vai na mistura, mas o destilado de base.
Quase todos os amantes profissionais de dry martíni defendem essa teoria. Quanto menos vermute melhor. É o gim, afinal, que provoca o formigamento.
Outro dia tive a grata oportunidade de tomar um dry martíni para lá de especial. É o mais gelado do mundo —até que provem o contrário. Quem assina a experiência é Gabriel Santana, bartender vencedor da etapa brasileira do World Class e um dos sócios do excelente Santana Bar, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.
Ele chega à temperatura polar, que fica no limite de congelamento, utilizando nitrogênio. O processo de feitura do coquetel faz pensar em poção mágica, pois se ergue uma fumaça branca espessa, quase na altura dos olhos.
Para não explodir a cozinha, melhor ficar com uma receita que exige menos controle dos elementos. É de outro escritor cômico, Kingsley Amis, autor de "Lucky Jim". Experimentado no tema, ele dispara, sem pudor: "o melhor dry martíni é o dry martíni que eu faço".
A ênfase tem paralelo na proporção de gim para vermute que adota, 15:1. Ou seja, é um mar de gim para uma piscininha de vermute. Aconselhamos ir até onde dá pé.
Dry Martini (versão de Kingsley Amis)
Ingredientes
- 45 ml de gim
- 3 ml de vermute seco
Passo a passo
Mexa os ingredientes com bastante gelo e coe para uma taça Nick & Nora gelada. Finalize com um twist de limão ou cebola.
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