Daniel E. de Castro

Jornalista especializado na cobertura de esportes olímpicos. Foi repórter e editor de Esporte da Folha e cobriu os Jogos de Tóquio

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Daniel E. de Castro
Descrição de chapéu Olimpíadas 2024 COB

Está aberta a temporada de clichês olímpicos

Vamos ouvir por aí que 'falta investimento' e que os atletas brasileiros 'não têm preparo emocional'

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Depois de três anos, enfim podemos viver novamente o maior momento do esporte.

As duas semanas de Jogos Olímpicos nos brindam com emoções, ensinamentos e discórdias. Para os nerds olímpicos, categoria na qual me incluo, é tudo muito intenso e mágico. Mas os Jogos extrapolam a audiência normal de qualquer modalidade, e a graça está justamente na diversidade de olhares atraídos pelo megaevento. É quando discutir canoagem slalom ou pentatlo moderno na mesa de bar vira socialmente aceito.

Por outro lado, com o aumento de interesse e da quantidade de pessoas falando sobre o tema, alguns clichês olímpicos que a gente ouve por aí se amplificam, espalhando imprecisões ou desinformação.

Um dos mais frequentes é o lamento de que "falta investimento em esporte no Brasil". Falta mesmo, mas não para os atletas do topo da pirâmide, aqueles que chegam com chances de disputar medalhas em Jogos Olímpicos.

Para dar uma dimensão: neste ano, o COB (Comitê Olímpico do Brasil) tem um um bolo de cerca de R$ 225 milhões para repartir entre 33 confederações que cuidam diretamente dos esportes. Essa verba, que vem da arrecadação com as loterias e está garantida por lei, é o principal motor do alto rendimento (exceto futebol) no país.

Além disso, o COB faz investimentos específicos e generosos na preparação desse pelotão de elite, que também costuma contar com outras fontes de apoio, como patrocinadores e bolsas. A esses atletas não falta estrutura para seguir suas carreiras —e é fundamental que seja assim.

O que deveríamos discutir sempre, e não só durante os Jogos, é se esses investimentos são bem aproveitados, ou mesmo distribuídos com os melhores critérios pelo COB e dentro das confederações.

Ao criticar o uniforme da delegação brasileira para a cerimônia de abertura, a cantora Anitta disse que o look representa como o atleta é tratado no país. "Sem estrutura, sem oportunidades, desvalorizado", segundo ela.

Seria ótimo se, em vez de usar frases genéricas, grandes personalidades soubessem quem e o que cobrar. O país precisa de políticas públicas envolvendo diferentes esferas esportivas e de governo, que olhem para o esporte de forma estrutural.

Outro fortíssimo candidato ao pódio dos clichês olímpicos é a ideia de que "o atleta brasileiro não tem preparo emocional". Ela costuma aparecer quando alguém considerado favorito acaba "decepcionando", e principalmente quando o alvo da crítica são mulheres.

Desconheço qualquer pesquisa que aponte que os brasileiros são menos preparados psicologicamente do que os adversários. Pelo contrário, o que se vê por aqui é um investimento cada vez maior na preparação mental. O COB levou cinco psicólogos (ao todo são 17 no comitê) e um psiquiatra para Paris, e a maioria dos atletas de elite do país faz algum tipo de trabalho psicológico.

Muitas derrotas são mesmo provocadas por fatores emocionais, e em 2024 isso já deveria ter sido naturalizado, sem o uso de rótulos como "amarelada". Favoritos de todos os países acabam derrotados, a diferença é que a gente não está olhando com a mesma atenção para eles.

Um último clichê que poderia ser abolido, esse intensificado pelo pior que a cultura do futebol brasileiro pode oferecer, é a certeza de que "o árbitro rouba contra a gente". Com o protagonismo do Brasil em esportes novos e decididos por nota, portanto mais sujeitos à subjetividade, como skate e surfe, o lero-lero ganha espaço.

Contestar decisões faz parte, mas será que queremos importar os debates tão inoportunos de cada rodada do Brasileirão para esse momento especial que só vivemos a cada quatro anos? Dispenso.

Arena de vôlei de praia dos Jogos de Paris vazia com a Torre Eiffel ao fundo da imagem
Um clichê em forma de vista; a espetacular arena de vôlei de praia aos pés da Torre Eiffel - Dimitar Dilkoff - 10.jul.24/AFP

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