David Wiswell

Escritor, roteirista e comediante americano

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Descrição de chapéu jornalismo

Processo bilionário por difamação prova que Fox News é fake news

É importante permitir que pessoas sejam ignorantes, estúpidas e mal informadas, mas não mentirosas

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A Fox News é conhecida há muito tempo por nós da esquerda americana como o braço de propaganda de má-fé da direita, e não será a primeira vez que ela é processada por defender alegações comprovadamente falsas com todo o charme de um incêndio num ônibus escolar.

Curiosamente, a emissora frequentemente se defende na Justiça com o único argumento sobre o qual concordo com ela: nenhuma pessoa em sã consciência acreditaria que o que ela pôs no ar foi factual.

Um grande anúncio de TV na cor azul mostra rostos de apresentadores de programas televisivos; em frente a ele, pessoas protestam com cartazes
Manifestantes protestam contra a Fox News em frente ao escritório da empresa em Nova York - Drew Angerer - 13.mar.20/Getty Images/AFP

As revelações mais incríveis do processo de US$ 1,6 bilhão por difamação movido contra ela pela Dominion Voting Systems são mensagens, emails e depoimentos internos da Fox News mostrando que nem seus próprios jornalistas e produtores acreditam na história de que as urnas eletrônicas da empresa teriam sido usadas para cometer a fraude eleitoral que eles denunciam.

O mais chocante de tudo: legalmente falando, eles são, na realidade... pessoas em sã consciência! Este caso ultrapassa os limites da liberdade de expressão americana ao colocar a pergunta: devemos defender legalmente o direito de uma pessoa expressar uma opinião em que não acredita? Ou será que isso não passa de um caso de "Sra. Democracia versus Sra. Informação"?

Os documentos que a Dominion apresentou ao tribunal mostram que, depois de a Fox News projetar a vitória eleitoral de Joe Biden no estado do Arizona, espectadores trumpistas abandonaram o canal em grande número, provocando medo e confusão nos bastidores da emissora. Presume-se que tenham deixado a Fox e se bandeado para emissoras marginais mais propensas a lhes dizer o que queriam ouvir.

Para conservar seu público, a emissora chamou uma advogada de Trump, Sidney Powell, mais de uma dúzia de vezes para promover no ar a ideia de que democratas fraudaram a eleição em conluio com a Dominion. A prova apresentada? Um memorando de uma mulher que, agora sabemos, disse no mesmo documento ter recebido a informação de alguma coisa "como viagens no tempo em um estado de semiconsciência". Ela teria acrescentado também que "o vento lhe disse que ela é um fantasma, mas ela não acredita". É exatamente o tipo de jornalismo inteligente e pé no chão que desejamos para um assunto dessa monta. Ela chegou a verificar o que o vento lhe falou.

Os documentos apresentados também incluíram mensagens e trechos de depoimentos de produtores e dos principais âncoras da Fox News, aludindo a Powell e àqueles que promoviam essas ideias como "teóricos da conspiração". Dizendo "ela é maluquinha", "ela está mentindo", "é absurdo", "não acreditei nisso nem por um segundo", e um deles chegando a dizer "pegamos ela".

Também foi revelado que o presidente da Fox, Rupert Murdoch, aludiu a essas alegações de fraude eleitoral como "realmente malucas", "prejudiciais" e um "mito sobre Trump". Coincidentemente, "mito sobre Trump" é como Melania, a esposa de Trump, alude ao pênis dele —sobre o qual Trump não para de falar asneiras, como faz em relação à fraude eleitoral, apesar de ele próprio não conseguir fisicamente enxergá-lo.

O critério adotado em processos por difamação como este nos EUA é o de "má-fé real", o que significa que é preciso defender a desinformação conscientemente. Isso visa proteger o direito dos jornalistas de se equivocarem. Acho que é uma parte importante do discurso que se permita que as pessoas sejam ignorantes, estúpidas e mal informadas, mas não mentirosas (e isso daria um ótimo título para a coluna!).

Logo, para perder num processo como esse, seria preciso dizer algo que você mesmo considerasse, por exemplo, ser realmente doido, prejudicial, mitologicamente absurdo, falso, em que você não acreditou nem por um instante, proposto por um mentiroso que você mesmo flagrou mentindo. Por isso mesmo, é difícil dizer se isso se aplicaria neste caso específico.

Parece que a Fox News criou um público tão sedento de desinformação que ultrapassou até o que ela estava disposta a difundir. Mas, como um coração de babuíno que rejeita o hospedeiro humano no qual foi transplantado, procurando um corpo tão afeito quanto ele a piolhos e fezes, o público da Fox rejeitou a integridade jornalística recém-encontrada da emissora.

E, por uma questão de autopreservação, a Fox não se furtou a se rebaixar, oferecendo todas as fezes que conseguiu. Está claro que, se existir justiça no mundo, a Fox será condenada, e, embora essa não seja minha opinião, você pode confiar implicitamente nela —porque eu a ouvi do vento.

Tradução de Clara Allain 

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