Estrelas da Fox News duvidavam de tese falsa de Trump sobre fraude eleitoral

Mensagens mostram que, em privado, Tucker Carlson e executivos da rede desconfiavam de alegações de ex-presidente

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Jeremy W. Peters Katie Robertson

Mensagens e depoimentos recém-divulgados de estrelas e executivos da Fox News revelaram que, em privado, eles manifestaram desconfiança em relação às falsas afirmações de Donald Trump de que a eleição de 2020 foi roubada, embora a rede continuasse a promover muitas dessas mentiras no ar.

Os apresentadores Tucker Carlson, Sean Hannity e Laura Ingraham, assim como outros da companhia, insultaram e zombaram repetidamente de assessores de Trump, incluindo Sidney Powell e Rudy Giuliani, em mensagens trocadas nas semanas após o pleito, segundo uma ação movida na quinta (16) pela Dominion Voting Systems. A Dominion processa a Fox por difamação em caso que representa um risco financeiro e de reputação considerável para a rede de notícias a cabo de maior audiência dos EUA.

O apresentador da Fox News Tucker Carlson durante evento em Hollywood, na Flórida
O apresentador da Fox News Tucker Carlson durante evento em Hollywood, na Flórida - Jason Koerner - 17.nov.22/Getty Images via AFP

"Sidney está mentindo. Eu a peguei", escreveu Carlson a Ingraham em 18 de novembro de 2020. Ingraham respondeu: "Sidney é maluca total. Ninguém quer trabalhar com ela. O mesmo vale para Rudy". "Nossos telespectadores são boas pessoas e acreditam nisso", seguiu Carlson, deixando claro que ele não.

As mensagens mostram ainda que tais dúvidas se estenderam aos níveis mais altos da rede, com Rupert Murdoch, presidente da empresa, chamando as alegações de fraude eleitoral de Trump de "uma maluquice". Em certa ocasião, enquanto Murdoch assistia a Giuliani e Powell na TV, ele disse à CEO da Fox News Media, Suzanne Scott: "Coisas terríveis que prejudicam a todos. Eu temo".

O documento da Dominion retrata Scott, que colegas descreveram como profundamente sintonizada com as sensibilidades do público da Fox, ciente de que as alegações de Trump eram infundadas. E quando outra empresa de Murdoch, o jornal New York Post, publicou editorial instando Trump a parar de reclamar que havia sido trapaceado, Scott o distribuiu à sua equipe. Murdoch agradeceu a ela por fazê-lo.

O processo, no tribunal estadual de Delaware, contém a imagem mais vívida e detalhada do que aconteceu nos bastidores da Fox News e de sua controladora corporativa nos dias e nas semanas após a eleição de 2020. Foi durante esse período que a cobertura conservadora da rede a cabo deu uma guinada abrupta.

A Fox News surpreendeu a campanha de Trump na noite da eleição ao se tornar o primeiro meio de comunicação a declarar Joe Biden vencedor no estado do Arizona –projetando efetivamente que ele se tornaria o próximo presidente. Então, como a audiência da Fox caiu drasticamente depois do pleito e o presidente Trump se recusava a aceitar, muitos dos apresentadores e programas mais populares da rede começaram a promover alegações bizarras de uma conspiração de fraude eleitoral de longo alcance, envolvendo máquinas da Dominion, para negar ao republicano um segundo mandato.

O que foi divulgado na quinta-feira não foi o vislumbre completo do caso da Dominion contra a Fox. O documento de 192 páginas teve vários trechos ocultados que contêm mais revelações sobre deliberações internas da rede. A Fox procurou manter sob sigilo muitas evidências contra ela. O New York Times está contestando a legalidade de algumas dessas edições feitas no documento pelo tribunal.

Em sua defesa, a Fox argumentou que, ao cobrir as denúncias de fraude de Trump, a rede fazia o que qualquer veículo de mídia faria: relatava e comentava um assunto de inegável valor jornalístico. E observou que muitos de seus programas não endossaram a alegação de que a eleição foi roubada.

"Em sua cobertura, a Fox News cumpriu seu compromisso de informar totalmente e comentar de forma justa", disse o documento da defesa. "Alguns apresentadores viram as afirmações do presidente com ceticismo; outros com esperança; todos os reconheceram como profundamente dignos de nota."

A lei isenta jornalistas de responsabilidade se relatarem declarações falsas, mas não se as promoverem. A Dominion disse em seu processo que nem uma única testemunha da Fox testemunhou que ele ou ela acreditava em qualquer das denúncias contra a empresa. Em nota divulgada na quinta, um porta-voz da Fox disse: "A Dominion descaracterizou o registro, e citações despojadas de contexto-chave foram escolhidas a dedo. Muita tinta foi gasta em fatos irrelevantes sob os princípios da lei de difamação".

O documento mostra que as estrelas e executivos da Fox News estavam com medo de perder seu público, que começou a desertar para as alternativas conservadoras Newsmax e OAN depois que a Fox News noticiou a vitória a Biden no Arizona. E pareciam preocupados com o impacto na lucratividade da rede.

Em 12 de novembro, em um grupo de troca de mensagens entre Ingraham, Carlson e Hannity, Carlson apontou para um post no Twitter no qual a repórter da Fox Jacqui Heinrich checou uma mensagem de Trump na mesma rede referindo-se às transmissões da Fox e disse que não havia evidências de fraude eleitoral da Dominion. "Por favor, faça que ela seja demitida", escreveu Carlson. "Precisa parar imediatamente, nesta noite. Está prejudicando a empresa de forma mensurável. O preço das ações está em queda. Não é uma brincadeira." Heinrich deletou sua postagem na manhã seguinte.

Os detalhes oferecem mais do que vinhetas dramáticas de uma rede de notícias em que disputas internas raramente são vistas pelo público. São evidências que um júri pode usar para avaliar se deve considerar a Fox responsável por danos financeiros significativos. A Dominion pede US$ 1,6 bilhão como compensação pelos danos que diz ter sofrido quando convidados e apresentadores da Fox alegaram, por exemplo, que as máquinas de votação da Dominion foram projetadas para fraudar as eleições do autocrata venezuelano Hugo Chávez e equipadas com um algoritmo para apagar votos de um candidato e entregá-los a outro.

A Fox Corp. tem cerca de US$ 4 bilhões em caixa, segundo seu último relatório de ganhos trimestrais. Ambos os lados parecem firmes e confiantes na vitória. O juiz agendou a seleção do júri para começar em meados de abril. A Fox contestou como a Dominion chegou ao valor que está pedindo por danos, argumentando que a empresa superestimou amplamente sua avaliação e os danos à reputação sofridos.

Em documentos apresentados ao tribunal na quinta-feira, os advogados da Fox chamaram a quantia de US$ 1,6 bilhão de "um número impressionante que não tem suporte factual e não serve a nenhum propósito aparente além de gerar manchetes e esfriar discurso protegido pela Primeira Emenda".

Os advogados da Fox acrescentaram que a Staple Street Capital Partners, empresa de private equity que possui participação majoritária na Dominion, pagou cerca de US$ 38 milhões por sua participação de 76% na empresa em 2018 e nunca estimou que o valor financeiro da Dominion valesse "algo próximo de US$ 1,6 bilhão". A Fox fez uma reconvenção buscando reaver os custos associados ao processo.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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