Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Zezé Motta ocupou posição de destaque numa época de grande silenciamento

Atriz fez parte de uma geração que desbravou a dura caminhada de artistas negros

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"Eu sei por que vocês estão aqui, mas não temos mais tempo para lamúrias. Temos que arregaçar as mangas e virar esse jogo." As palavras da ancestral Lélia González em meados da década de 1980 marcaram as pessoas que foram ao Parque Lage, no Rio de Janeiro, para frequentar um curso proferido pela feminista negra de nome marcado na história. Em uma aluna do curso em especial essas palavras nunca mais saíram da cabeça. Estamos falando da consagrada polivalente artista brasileira Maria José Motta, conhecida por todas e todos nós como Zezé Motta.

Com mais de 35 novelas, 14 discos e 40 filmes, Zezé marca seu lugar na roda onde dançam Ruth de Souza, Chica Xavier, Grande Otelo, Zózimo Bulbul, Antônio Pitanga e tantos outros.

Encontramos uma grande mulher na excursão por sua história a partir de suas inúmeras entrevistas, discursos e matérias jornalísticas, bem como da leitura da biografia assinada por Cacau Hygino, "Zezé Motta: um Canto de Luta e Resistência" (Editora Nacional).

Engajada na luta de movimentos negros, ocupou a difícil posição de destaque em uma época de grande silenciamento, quando as palavras —muito mais do que hoje— poderiam significar o fim de uma carreira.

Equilibrando-se em dança, como sua mãe Oxum ensina, Zezé Motta encantou lutando por novos níveis de dignidade para seu povo. É de sua iniciativa, junto a companheiras e companheiros de luta, a criação do Centro de Informação e Documentação do Artista Negro, o Cidan, um banco de dados que chegou a beneficiar mais de 500 profissionais da área. Por falta de patrocínio no país da "democracia racial", não foi possível levar a iniciativa adiante, porém as sementes foram plantadas.

Livre e independente, sua voz vem durante a carreira estilhaçando a máscara do silêncio, expressão de Conceição Evaristo. Voz que não lamuria, embora tenhamos muito a chorar, mas demanda com a pressão de uma faca amolada, ciente da realidade que pessoas negras passam nesse país. Demanda o que é nossa por direito, desafiando papéis de empregadas domésticas negras que apenas a brem e fecham a porta, servindo cafezinhos, papel este que mulheres brilhantes como ela ficaram confinadas por muito tempo. Uma luta por humanidade.

Como diz a música na sua voz e na de seu saudoso parceiro musical Luiz Melodia, "o sonho seu vem dos lugares mais distantes, terras dos gigantes".

Ao lado de suas amigas de vida e seus amados filhos, seus fãs e admiradores, outra pessoa que a enxergou com sua devida grandeza foi a própria González, que no texto "Homenagem à Zezé Motta: História de Vida e Louvor", escrito em 1984, resumiu sua bela trajetória e contou um pouco de sua convivência com Zezé.

"Para além da leveza, da doçura, do bom humor de Zezé, encontra-se uma mulher extraordinária, temperada por muita luta e sofrimento, generosa enquanto companheira, filha, irmã, esposa, amiga. Para além da imagem, da estrela Zezé Motta, o que vamos encontrar, na verdade, é uma mulher MULHER."

Ilustração de uma mulher negra com os cabelos ondulados soltos usando um brinco grande amarelo e uma blusa de um ombro só rosa. No fundo, há folhagens e um círculo amarelo.
Publicada nesta quinta-feira, 15 de julho de 2021 - Linoca/Folhapress

Continuando os passos que vêm de longe, sigo a cantiga de Lélia para louvar a história de Zezé Motta, cujo nome artístico foi uma ideia de sua amiga de vida, a magistral Marília Pêra.

Eternizada no papel de Xica da Silva, no filme que Carlos Diegues lançou em 1976, Zezé fez história na dramaturgia do país. Desbravou junto a uma geração a dura caminhada para pessoas negras artistas nas décadas de 1970, 1980, 1990.

A bem da verdade, apesar de uma certa melhora, o cenário é ainda muito aquém do patamar de justiça devida a homens e mulheres negras nas artes do país, como ela bem denuncia.

Seus últimos anos foram de despedida de queridos companheiros de caminhada. Marilia Pêra, Elke Maravilha e Luiz Melodia, mortos em anos consecutivos, entre outros, deixam saudades e memórias, matérias-primas para nossa griot nos ensinar sobre a vida.

Nesse texto abrimos uma canção, embora sem a magnífica e aveludada voz de Zezé, em homenagem a Maria Elazir, sua amada mãe que aos 95 anos nos deixou durante a pandemia.

São pessoas em seu coração canceriano, que muito amou, bem como foi e é amado. Ao longo de sua trajetória, foi reverenciada como merece ser no Brasil e no mundo. Em 1987, para o documentário "La Femme Enchantée", exibido na França, Grande Otelo resumiu assim:

"Eu acho Zezé Motta sempre autêntica. Ela põe toda sua autenticidade em toda música que interpreta e em tudo aquilo que representa como atriz que ela é. Vocês ainda terão a oportunidade de vê-la como atriz, como estão vendo como cantora, vão sentir isso que estou dizendo: ela é simplesmente genial. Talvez seja uma coisa tanto de berço, da própria raça, enfim, Zezé Motta é uma expressão do povo brasileiro."

Com as palavras de nossos mais velhos, convido a todas e todos a reverenciá-la, pois é tempo de celebrar a história de vida e louvor de Zezé Motta, icônica mulher no coração do Brasil.

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