Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Botox e cirurgias plásticas buscam negar a idade e condenam envelhecimento

Ficar velho é uma dádiva, ao contrário do tabu que não aceita a ação do tempo como um dado da natureza

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Envelhecer deveria ser visto como uma dádiva, sobretudo envelhecer bem e de maneira digna.

A pandemia da Covid-19 gerou uma crise econômica em muitas famílias com a morte de idosos. Segundo pesquisa realizada em todas as capitais pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, a CNDL, e pelo Serviço de Proteção ao Crédito, SPC Brasil, em parceria com a Offer Wise Pesquisas, 91% dos brasileiros com mais de 60 anos contribuem financeiramente para o sustento da casa, sendo que 52% são os principais responsáveis, um aumento de nove pontos percentuais em relação a 2018. Muitas pessoas envelhecem sem direito a bem viver, infelizmente.

Na ilustração, sobre o fundo azul royal, está localizada ao centro a figura de uma mulher negra, do colo para cima. Ela tem cabelos brancos, brincos amarelos, blusa de gola vermelha e está de frente para o leitor, sorrindo, enquanto sua cabeça e o olhar estão voltados para cima
Ilustração publicada em 24 de março - Linoca Souza

Porém, em um país em que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado, muitos não tiveram e não têm a oportunidade de viver mais tempo.

Das mulheres que morrem de mortalidade materna, 62% são negras, o que significa não ter o direito à maternidade e deixar as crianças sem convívio com a mãe.

Ser do candomblé me dá outra visão sobre envelhecer, pois idade é posto: a gente respeita as mais velhas e os mais velhos, é com eles e elas que aprendemos sobre religião, valores e visões de mundo. A gente pede a bênção aos mais velhos e a longevidade é vista com alegria.

Nesta semana, assisti a uma entrevista da atriz Marieta Severo para o perfil no Instagram da revista Marie Claire e fiquei muito tocada. Entre tantas coisas, ela fala que não se preocupava com a velhice aos 20, 30, 40 anos, mas que hoje muitos jovens já aplicam botox preventivo aos 20 para combater uma ruga que nem sequer nasceu.

Severo diz que não tem horror às rugas, mas a não ter uma cabeça boa para poder inventar a vida. Achei de uma lucidez sem tamanho, pois negar a idade ou enxergar a velhice como algo ruim são valores que precisamos confrontar.

O Brasil é um dos países campeões em cirurgias plásticas e intervenções estéticas. Muitas empresas lucram com a insegurança de mulheres e com o ideal de beleza, a busca pelo corpo perfeito que não existe. E, cada vez mais cedo, jovens se mutilam e investem em procedimentos invasivos para não parecerem velhas.

Com isso, não quero julgar ninguém, mas fazer a observação de que é superficial dizer que é uma questão de escolha quando há a imposição de um padrão de beleza. É muito comum ouvir: "Nossa, você viu como fulana envelheceu". Como se isso não fosse um dado da natureza. Gostaria de ter dito isso sobre minha mãe, que morreu aos 51 anos idade adoecida pela vida que foi obrigada a viver.

É importante se cuidar, gostar do que olhamos no espelho, mas é fundamental questionar a mão que cria imagens distorcidas, como ensina Audre Lorde. Sobretudo mulheres que cresceram em uma sociedade que as ensina que ser negra é feio —eu só fui encontrar base e maquiagem para o meu tom de pele após os 35 anos, por exemplo, e me sentia mal com produtos que não se adequavam à minha pele.

Gostar de si, nesse caso, é revolucionário. Não estou dizendo que se sentir bela não é algo positivo. Eu gosto de me sentir bonita. Estou afirmando que é necessário redefinir a beleza, desassociada de uma obsessão por perfeição.

Porém me espanta perceber que muitas pessoas não querem discutir essas distorções, sob o argumento de "meu corpo, minhas regras". Isso nega o quão cruel é ver mulheres com 20 anos com medo de envelhecer, submetendo-se às indústrias milionárias que vendem o corpo ideal.

É estarrecedor ver pessoas supostamente lúcidas não perceberem o quão adoecedor é seguir uma lógica que tenta padronizar a todos vendendo insatisfação. O quão nociva é uma sociedade que valida as mulheres pelo corpo e que, quando elas envelhecem, as descarta como eletrodomésticos que não servem mais para nada.

Muitas atrizes reclamam da falta de bons papéis quando ficam mais velhas, ao passo que muitos homens atores, mesmo velhos, ainda fazem papéis em que namoram mulheres jovens e são colocados como galãs. Da mesma forma, um homem mais velho com uma mulher muito mais nova é socialmente aceitável, mas o contrário é visto como ridículo.

"O que move a gente eternamente é a curiosidade e a vontade de aprender", diz Marieta Severo em outro trecho da entrevista. "Sem isso, a gente acaba em qualquer idade."

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