Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Elio Gaspari

Um retrato do Rio oitocentista

Livro 'Classificados da Corte' é retrato da época em que cidade mudou de cara

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Está nas livrarias há alguns meses "Classificados da Corte", do historiador João Victor Pires. É um retrato da época em que o Rio mudou de cara, entre a chegada de D. João VI com seu séquito, em 1808, e sua partida, em 1821. Nesse período a população da cidade praticamente dobrou, para 112,7 mil habitantes. O sertão começava no Campo de Santana, em frente ao prédio onde hoje está a estação da Central do Brasil.

Como daqui a pouco vai-se entrar no ano do Bicentenário, é boa leitura, sobretudo graças à base da pesquisa de Pires. Ele trabalhou em cima dos 9.211 anúncios publicados em 1.610 de edições da Gazeta do Rio de Janeiro e dos relatos do cotidiano da época. Achou 1.837 anúncios de compra, venda ou aluguel de imóveis (20%) e outros 1.474 (16%) comercializando escravizados ou comunicando 428 fugas. Compra e venda de carruagens, só 306.

Com uma dezena de quilombos efêmeros ou duradouros nas matas, a captura de um escravizado valia uma recompensa variável. Se o negro fosse achado na cidade, rendia 10 mil réis (R$ 1.892, numa simples estimativa). Um ministro recebia 400 mil réis por mês. Se a captura do negro ocorresse na roça, ele valia o equivalente a R$ 2.838. Se o escravizado já estivesse a bordo de um navio estrangeiro, pagava-se algo como R$ 3.784. O valor médio das recompensas pode ser estimado em 24 mil réis. Na rua do Ouvidor, um bom vestido custava até 100 mil réis.

(Aqui a ali aparece no livro a figura de Mahommah Baquaqua, o padeiro que viveu em Olinda e no Rio, fugindo em Nova York para onde seguira num barco que levava café. Lá ele ditou suas memórias, raro depoimento de escravizado no Brasil.)

O livro de João Victor Pires é um precioso retrato do cotidiano da cidade. Conta o esforço dos çábios da época para criar a "Cidade Nova", na direção de São Cristovão. Passaram-se dois séculos, a miragem da Cidade Nova persiste, mas o Rio cresceu pelo litoral sul.

Enquanto D. João VI, sua mãe doida e sua mulher insuportável viviam num simulacro de corte europeia, o Rio era uma cidade de sofrimento. No dia 19 de maio de 1821 um anúncio da Gazeta informava:
"Apareceu uma negrinha nova, que não sabe falar, escondida num valado de uma chácara de Mata-Porcos (o Estácio de hoje). Quem for seu senhor, procure a rua da Cadeia (atual rua da Assembleia) nº 30."

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.