Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Popular política econômica de Trump deve ser alvo de Biden nas eleições

Taxa de inflação e variação salarial nos próximos meses podem decidir próximo presidente dos EUA, em 2024

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The New York Times

O presidente americano, Joe Biden, acaba de oferecer uma visão de como poderia ser uma revanche Biden-Trump. Bem, pelo menos parte dela. A selvageria do estilo político de Donald Trump muitas vezes obscurece –pelo menos para seus críticos– as dimensões mais banais de sua atração. O argumento mais forte do republicano, e o que Biden mais deve temer em 2024, é o econômico.

Em 2016, o ex-presidente concorreu como um empresário sábio que utilizaria seu domínio dos negócios a serviço da população. "Toda a minha vida fui ganancioso, ganancioso, ganancioso", dizia. "Peguei todo o dinheiro que consegui. Sou muito ganancioso. Mas agora quero ser ganancioso pelos Estados Unidos."

O presidente americano, Joe Biden, discursa em Chigago
O presidente americano, Joe Biden, discursa em Chigago - Leah Millis - 28.jun.23/Reuters

Ele disse que as elites haviam traído os americanos. Elas levaram seus empregos para a China, deixaram suas pontes, estradas e edifícios desmoronarem. Elas respeitam o trabalho que elas mesmas fazem –atrás de um computador, com diplomas sofisticados, o trabalho que acontece em escritórios em vez de fábricas e em metrópoles em vez de cidades do interior– e desdenham do trabalho que vocês faziam.

Elas ficaram ricas, e vocês não têm nada. As pesquisas de boca de urna revelaram que Trump obteve grandes maiorias entre aqueles que consideravam a economia "razoável" ou "ruim".

Durante seu governo, porém, ele não transformou essa crítica em agenda. Havia ilhas de ação –a política comercial era a principal delas–, mas a ordem do dia era a incoerência. Semanas de infraestrutura vieram e se foram. Os cortes de impostos foram direcionados para os ricos. Não havia estratégia para restaurar a competência industrial dos EUA ou recuperar o poder de barganha dos trabalhadores sem diploma.

Mas Trump teve a sorte de assumir durante um boom econômico. E manteve esse boom. Atuou com os republicanos para tributar menos e gastar mais –que se danem os déficits orçamentários. Nomeou para o Federal Reserve Jay Powell, que manteve o dinheiro barato e o mercado de trabalho aquecido. A taxa de desemprego, em fevereiro de 2020, era de 3,5%. Os salários subiam, e a inflação estava baixa.

Então a Covid surgiu, e Trump trabalhou com a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, para inundar a economia com trilhões de dólares em pagamentos de auxílio. O desemprego aumentou, mas os trabalhadores em geral não sofreram. Esse é o poço de força mais profundo do ex-presidente numa revanche em 2024. Apenas cerca de um terço dos eleitores aprova o trabalho que Biden fez na economia. As pesquisas mostram que Trump é, de longe, o gestor econômico mais confiável.

Na quarta (28), em Chicago, o democrata antecipou o contra-argumento num discurso muito badalado definindo a "Bidenomics" (a economia de Biden). A tese é a seguinte: o que Trump apenas prometeu, eu cumpri. Biden definiu suas políticas econômicas em contraste com "40 anos de gotejamento".

A economia do gotejamento em geral sustenta que os cortes de impostos no topo levarão à prosperidade na base. O presidente a está usando para descrever uma ordem econômica mais expansiva –o que às vezes é chamado de "neoliberalismo". Gotejamento, em suas palavras, é "cortar o investimento público" e olhar para o outro lado quando "três quartos das indústrias dos EUA ficaram mais concentradas".

Quarenta anos, como observarão os leitores atentos, abrangem não apenas os governos de Donald Trump e George W. Bush, George H. W. Bush e Ronald Reagan, mas também de Bill Clinton e, sim, Barack Obama.

Esse é um ponto em que vale a pena insistir. O governo Biden é povoado por veteranos das Casas Brancas de Obama e Clinton. Mas não vê a si mesmo numa continuidade confortável com esses legados.

Ele se vê, de maneiras importantes, como uma ruptura. Em maio, Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional (e um importante assessor, anteriormente, de Hillary Clinton e Obama), deixou isso explícito durante um discurso na Brookings Institution. Sullivan criticou a crença de que "o tipo de crescimento não importa". Isso levou, disse ele, a administrações que permitiram que Wall Street prosperasse, enquanto "setores essenciais, como semicondutores e infraestrutura, atrofiavam". Ele rejeitou a "suposição no centro de toda essa política: os mercados sempre alocam o capital de forma produtiva e eficiente".

E fez um modesto "mea culpa" pelo seu partido. "Francamente, nossas políticas econômicas domésticas também falharam em contabilizar totalmente as consequências de nossas políticas econômicas internacionais", disse ele. Ao permitir que a globalização e a automação esvaziassem a manufatura doméstica, os democratas fizeram parte de um consenso de Washington que "desgastou os alicerces socioeconômicos sobre os quais repousa qualquer democracia forte e resiliente".

O discurso de Biden em Chicago tentou mostrar que ele era um democrata que aprendeu essas lições. Primeiro, havia sua ênfase no lugar. "Todo americano disposto a trabalhar duro deveria poder dizer onde cresceu e permanecer onde cresceu", disse ele. "Isso é ‘bidenomics’." Mais tarde, repetiu: "Todo americano disposto a trabalhar duro deve conseguir um emprego, não importa onde esteja –no interior, em cidades pequenas, em todas as partes do país–, para criar seus filhos com um bom salário e manter suas raízes".

Conversei com Jared Bernstein, presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Biden, sobre esse raciocínio. "Uma das suposições bastante despojadas da economia tradicional é que você não precisa se preocupar com o lugar porque, enquanto houver bons empregos em algum lugar, as pessoas irão para lá e os conseguirão", disse Bernstein. "Não funciona assim." Uma das razões pelas quais não funciona dessa forma são os custos de moradia. "A ideia de que você pode se mudar da América rural, onde a moradia é barata, para a América com moradias caras, mesmo com as diferenças salariais, é um pouco fantasiosa."

A resposta de Biden é feita em torno de investimentos via Lei de Redução da Inflação e projeto de lei bipartidário de infraestrutura. Você não instala parques eólicos e solares em Manhattan e San Francisco. Tampouco faz isso necessariamente em estados democratas, para desgosto de governadores.

Ele indicou Weirton, na Virgínia Ocidental, "onde uma usina siderúrgica fechou no início do século" e, por causa dele, uma fábrica de baterias de ferro-ar está "sendo construída no mesmo local, trazendo de volta 750 empregos bem remunerados e um sentimento de orgulho e esperança no futuro".

O Instituto Rocky Mountain, empresa de pesquisa de energia limpa, estima que os estados republicanos receberão US$ 623 bilhões (R$ 3 trilhões) em investimentos em energia limpa até 2030, em comparação com US$ 354 bilhões (R$ 1,7 trilhão) para os estados democratas.

Todas essas indústrias, fábricas de baterias, estações de carregamento de veículos elétricos e fábricas de automóveis dão a Biden sua linha mais forte contra Trump. Depois de comparar as semanas de infraestrutura que o republicano nunca entregou e "a década de infraestrutura" que ele fez, observou: "A construção de instalações de manufatura aqui em solo americano cresceu apenas 2% sob a supervisão de meu antecessor em quatro anos. Dois por cento. No meu governo, cresceu quase 100% em dois anos".

A melhor coisa que ele fez pelos trabalhadores menos qualificados foi presidir um mercado de trabalho rígido. O desemprego está abaixo de 4% desde fevereiro de 2022, e os trabalhadores que geralmente ficam à margem estão obtendo ganhos. A diferença de emprego entre negros e brancos quase terminou, e os ganhos salariais foram especialmente fortes para trabalhadores sem educação universitária. Mas o orgulho do governo nesses números apenas ressalta o problema real que enfrenta: os americanos se sentiam bem com a economia sob Trump. Eles não se sentem bem com ela sob Biden.

A razão é simples: os salários reais estão caindo porque a inflação está subindo. Os investimentos de longo prazo do presidente, seus esforços para reconstruir a manufatura americana e criar milhões de empregos descarbonizando a economia americana levarão tempo para compensar. As pessoas têm que viver na economia agora, não daqui a uma década.

A boa notícia –tanto para Biden quanto para os EUA– é que os salários reais aumentaram nos últimos meses. A inflação caiu mais da metade desde seu pico. Os analistas que previam com segurança uma recessão em 2023 agora se esquivam. Mark Zandi, da Moody's Analytics, acha que escaparemos da crise.

A continuidade das boas notícias econômicas poderá decidir as eleições em 2024. Biden captou as melhores ideias de seu antecessor e as seguiu com uma diligência e um foco que o republicano nunca teve. Mas isso não significará muito se os eleitores ainda desejarem a economia de Trump.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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