Fernando Canzian

Jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.

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Como Jekyll e Hyde, Mandetta também contribuiu para voo cego na crise

Frente à inépcia de Bolsonaro, ministro ganhou ares de herói, mas pasta deu várias derrapadas

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Diante da inépcia agressiva do presidente Jair Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta ganhou ares de herói racionalista na condução da crise da Covid-19. Por trás de sua aparente calma e segurança, no entanto, não foram pequenas as derrapadas do ministro da Saúde.

O aspecto mais imperdoável foi a demora em acordar para a necessidade de massificar testes de casos suspeitos. Além de não permitir saber por onde o vírus anda, essa falha custará caro ao país, que estará mais infectado do que poderia quando decidir relaxar o isolamento.

A pasta também foi lenta na mobilização para comprar equipamentos de segurança às equipes médicas e não se moveu para tentar normatizar as regras de confisco desses materiais pelos estados e municípios —gerando arbitrariedades em que hospitais chegaram a perder máscaras até para porteiros de edifícios por decisão da Justiça do Trabalho.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em coletiva de imprensa - Edu Andrade/Fatopress

O ministério também não soltou uma regra única para as 47,7 mil equipes de agentes de saúde informarem casos suspeitos, levando a uma subnotificação gigantesca. Por último, foi só nesta semana que decidiu criar uma plataforma única onde os hospitais deverão informar a ocupação de leitos de UTI.

Muitos desses aspectos foram levantados antecipadamente por especialistas e em reportagens nesta Folha, mas o atraso nas medidas ainda mantém o país numa espécie de voo cego, e sem que tivesse aproveitado a chegada em câmera lenta da epidemia para acelerar providências técnicas.

O primeiro caso de infecção pelo coronavírus no Brasil foi detectado no dia 25 de fevereiro, de um homem que viajou para a Itália, país que tinha então cerca de 400 casos confirmados e duas dezenas de mortos.

Na época, China e Coreia do Sul já eram modelos acabados em que o Brasil poderia se espelhar para lidar com a crise, fazendo, por exemplo, lockdowns regionalizados e a massificação de testes para casos suspeitos.

A compra maciça de testes pelo Brasil só seria anunciada em 21 de março, quase um mês após o primeiro caso, embora ninguém ainda saiba exatamente onde esses kits se encontram. Como comparação, Chile e Peru hoje fazem mais testes que o estado de São Paulo, tanto em números relativos à população quanto absolutos.

Quando o Brasil entrou em isolamento, ele também atingiu igualmente cidades distantes sem casos confirmados e os grandes centros urbanos —de onde pessoas não testadas puderam viajar livremente, espalhando rapidamente o vírus.

Por fim, numa variação de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, o ministro médico que desempenhou seu papel de forma irretocável em bons momentos acabou dominado pelo político que se escondia em Mandetta.

Em vez de reforçar sua altivez e técnica e deixar Bolsonaro brincado sozinho com a cloroquina, o ex-deputado federal do DEM entrou no jogo do presidente, com idas e vindas para medir sua força política diariamente.

Quando chamou de “sórdidos” os meios de comunicação no fim de março para agradar Bolsonaro, Mandetta já dava sinais de confundir o seu papel e de subestimar o caráter do presidente, que finalmente acabaria criticado pelo ministro no horário nobre do Fantástico.

Ainda assim, e para a grande sorte de Mandetta, a bomba da falta de testes, das UTIs lotadas e das mortes às centenas agora explodirá na cara de Bolsonaro.

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