Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima
Descrição de chapéu CPI da Covid Fies

O mundo de Paulo Guedes

Espírito crítico da cobertura das falas de outros ministros não chega à economia

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A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid e as 400 mil mortes pelo coronavírus foram os assuntos da semana.

Ilustração Carvall para coluna Ombudsman no dia 02 de maio de 2021
Folhapress

Em meio ao momento mais grave da crise sanitária até aqui, a comissão instalada pelo Senado na terça-feira (27) quer esclarecer como a pandemia foi enfrentada pelo governo Jair Bolsonaro.

Os senadores não terão dificuldades para entender o que aconteceu se tiverem acompanhado o trabalho da imprensa desde que o primeiro caso de Covid foi registrado no Brasil, em fevereiro de 2020.

Só entre os “furos” mais recentes dados pela própria Folha, há revelações sobre o esforço de Bolsonaro para mobilizar ministérios na distribuição da cloroquina, ineficaz contra a Covid, e sobre a incompetência do governo em responder à crise em Manaus, além da rejeição, no ano passado, de proposta da farmacêutica Pfizer de fornecer 70 milhões de doses de vacinas.

Surpreende que em meio a noticiário tão carregado, um ministro, com suas falas, tenha conseguido se destacar.

No mesmo dia em que a CPI foi instalada e sem saber que era gravado, Paulo Guedes, ministro da Economia, disse que o chinês inventou o coronavírus e que um voucher (uma espécie de bolsa que seria dada a famílias de baixa renda para custearem seus gastos com médico e hospital) resolveria o acesso a serviços de saúde —o que, em sua imaginação, incluiria o hospital Albert Einstein entre as possíveis opções.

Falando sobre os efeitos da alta da expectativa de vida da população sobre o futuro do setor de saúde, disse que “todo o mundo quer viver 100, 120, 130 anos”. E, para embasar críticas ao Fies (programa que atraiu estudantes para faculdades privadas com crédito mais barato), contou a história do porteiro do seu prédio, cujo filho teria acessado a universidade com média zero.

Na Folha, a farsa preconceituosa do “vírus chinês” foi bem explorada, assim como as consequências diplomáticas das declarações. Faltou, porém, explicação do restante: é possível alguém com média zero ser aprovado no Fies? Quais são os problemas do programa? E que espécie de mágica permitiria que um voucher dado à população mais pobre oferecesse acesso aos mais exclusivos hospitais do país?

Valeria investigar também por que o ministro vê problemas com filhos de porteiro na universidade ou empregadas domésticas na Disney.

Na sexta-feira (30), a Folha acabou ouvindo o próprio Guedes sobre o episódio. Ele disse que o Fies e outros programas sociais criados na era petista fazem parte de um “belíssimo trabalho” e que suas críticas são voltadas ao que chamou de excessos. Ecoando o presidente, disse ainda que suas falas foram distorcidas.

No mesmo dia, melhor fez o jornal O Estado de S.Paulo, que contextualizou as informações e, com a cópia do áudio, publicou novos trechos da fala, que falam de ensino de sexo a crianças de 5 anos e uso de bebidas e drogas dentro da universidade.

Em termos jornalísticos, a Folha acerta ao dar voz ao ministro tentando desdizer o que disse quando se achava protegido por reunião fechada.

Porém, da forma como a cobertura foi feita, o ministro ganhou uma chance de refazer o discurso, mas o leitor continuou sem saber se a fala de Guedes sobre o Fies ou os vouchers na saúde faz algum sentido porque o texto não entra nesse mérito —o que torna o conteúdo incompleto.

Não é de hoje que os leitores enxergam condescendência de parte da imprensa na cobertura do ministro Guedes e de sua equipe. A cobertura das declarações reforça a impressão.

Em resposta à coluna, o diretor da Sucursal de Brasília, Leandro Colon, e a editora de Mercado, Alexa Salomão, dizem “que a premissa de ‘condescendência’ não se enquadra à Folha. Não há fundamentação jornalística para tanto. Basta pesquisar e ler inúmeras recentes reportagens do jornal. A cobertura de economia da Folha é a mais crítica entre os veículos, no que se refere a governos, empresas, instituições financeiras e a seus respectivos líderes, incluindo o ministro Paulo Guedes, que já reclamou, inúmeras vezes, de nossas reportagens”.

Não se trata de colocar em xeque o trabalho de toda uma cobertura, mas apontar falhas em momentos importantes.

Em maio de 2019, o tema desta coluna foi a cobertura de outra fala estapafúrdia de Guedes, também sem explicações, segundo a qual o regime de aposentadoria do Brasil levaria a mais suicídios do que o chileno. Em setembro do mesmo ano, voltei ao assunto Guedes após ele xingar a primeira-dama da França, enquanto, já naquele momento, ficavam para trás as promessas feitas durante a campanha eleitoral —como a de obter R$ 1 trilhão com privatizações, zerar o rombo do Orçamento no primeiro ano ou reduzir o preço do gás.

Embora feitas por um ministro cujo poder de fogo vem sendo questionado, as declarações de Guedes precisam ser esmiuçadas pela imprensa porque, com forte apelo ao senso comum, têm efeitos sobre a opinião pública e, em especial, repercussão sobre as políticas de governo.

A cobertura que a imprensa faz de Paulo Guedes ainda é, no estilo e no tom, diferente daquela feita sobre as falas da ministra Damares Alves, ou do ex-ministro Abraham Weintraub, mas precisa ser movida pelo mesmo espírito crítico e esforço de contextualização, pois o ministério de Bolsonaro é uma coisa só.

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