Helio Beltrão

Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

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Helio Beltrão
Descrição de chapéu aborto

O STF deveria aprender com a Suprema Corte

Decisões recentes nos EUA começam a reverter ativismo judicial

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Nos últimos dez dias, a Suprema Corte americana ("Scotus") tomou decisões emblemáticas e controversas sobre o aborto, o porte de armas e o ambiente. Eclodiram protestos, e um homem foi acusado de planejar o assassinato de um juiz conservador, Brett Kavanaugh. Descontentes irados acusam a corte de ativismo judicial e de revogar direitos estabelecidos.

Não é bem assim. A confusão interpretativa revela razoável desconhecimento sobre o sistema constitucionalista dos Estados Unidos, o mais antigo e mais bem-sucedido entre seus pares. Os patronos reunidos na convenção em 1787 procuraram garantir a soberania de cada um dos 13 estados originais (e futuros), formando de baixo para cima uma Federação com um governo central extremamente limitado.

Cada estado manteve sua autonomia e ordenamento jurídico, com exceção de pouquíssimos poderes delegados ao Congresso e certas proibições à violação de certos direitos enumerados (particularmente no Bill of Rights da Constituição).

Como esclarece a 10ª emenda, "os poderes não delegados pela Constituição aos Estados Unidos [governo federal], nem vedados aos estados, permanecem reservados aos estados respectivamente, ou ao povo".

Ativistas pelo direito ao aborto protestam em frente à Suprema Corte dos EUA, em Washington
Ativistas pelo direito ao aborto protestam em frente à Suprema Corte dos EUA, em Washington - Olivier Douliery/AFP

A ideia dos patronos era evitar a tirania, permitir uma maior participação política no nível local e manter os estados como laboratórios de boas ideias em competição. Mesmo que uma pessoa ou grupo tomasse o controle de todos os três Poderes do governo federal, o federalismo garante que cada governo local seguirá operando independentemente. Há fundamentalmente 50 "países", cujos interesses e poderes persistem autonomamente. É um bicho muito diferente do unitarismo centralista que temos aqui, no qual virtualmente todo regramento nasce ou morre em Brasília.

Ocorre que a Scotus veio ao longo das décadas se tornando mais ativista. A partir da década de 1930, abraçou uma "revolução constitucional", que migrou de uma concepção de guardiã essencialista do texto constitucional para uma adaptação subjetiva do texto que passou a justificar mais ativismo e invenção de direitos, ao sabor dos intérpretes.

Nessa esteira, há 50 anos, no caso Roe versus Wade, a Suprema Corte instituiu nacionalmente um direito fundamental de abortar, que se baseou no questionável entendimento de que a Constituição protege a privacidade da mãe e, por extensão, seu direito ao aborto.

A decisão da Scotus do mês passado revogou o precedente, em um reconhecimento de seu abuso de autoridade anterior: uma vez que inexiste um direito ao aborto na Constituição, a corte não pode estabelecê-lo, pois não é Poder Legislativo.

Mas os estados podem. Ou seja, o direito ao aborto permanece naqueles estados que preveem ou venham a prevê-lo. Houve tão somente uma devolução do poder aos estados, que jamais poderia ter sido suplantado ou subtraído. A regra do aborto depende tão somente do sistema político local: há estados que permitem e outros que não.

O caso do porte de armas é o oposto. Certos estados restringiam ou frustravam tal direito, expressamente garantido na Constituição. Nesse caso, a Scotus, embora tardiamente, decretou corretamente a inconstitucionalidade da legislação estadual impeditiva.

O caso ambiental se restringe ao âmbito federal. A agência ambiental (EPA) buscava estabelecer macrorregras para o sistema de geração de energia como um todo ("cap and trade"), além do seu tradicional poder de regulamentar cada unidade geradora. A Scotus determinou que deveria se manter fiel aos poderes descritos na legislação.

Portanto, nenhum direito foi revogado, ao contrário, e ocorreu de fato uma promissora reversão do ativismo anterior. Que sirva de lição para nosso STF, que se arroga o dever de ser "iluminista" a seu critério, estabelecendo direitos e suplantando o processo político.

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