Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Hélio Schwartsman
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Existem limites para a arte?

Ficção, série 'O Mecanismo' não está obrigada a respeitar a verdade histórica dos fatos

Quais os limites para a criação artística? Eles não existem. Tratando-se de uma obra de ficção, o autor pode inventar o que bem entender. No reino da imaginação, o Código Penal não vigora. Personagens fictícios são livres para insultar, caluniar, prevaricar, assassinar e até estuprar e estripar criancinhas. Nem às leis da física eles precisam obedecer, se o autor não quiser. Esse é um ponto básico e inegociável da democracia.

Nesse contexto, é correta a defesa que o diretor José Padilha faz de “O Mecanismo”. Por tratar-se de uma peça de ficção —o que é claramente anunciado no início de cada episódio—, o seriado não está obrigado a respeitar a verdade histórica dos fatos aos quais alude. Se Padilha tivesse imputado ao personagem identificado a Lula a responsabilidade pelo atentado contra o World Trade Center em 2001, estaria em seu direito, constitucional e estético.

É claro, porém, que as liberdades democráticas não se encerram na criação artística. Quem não gostou de “O Mecanismo” tem todo o direito de criticar a série, apontar seus erros históricos, xingar o diretor, cancelar a assinatura da Netflix. É feio, mas pode até pedir censura —são as autoridades públicas que não podem nem cogitar de atender a esse pleito.

A democracia, como já escrevi aqui inúmeras vezes, é confusa, necessariamente barulhenta e quase sempre mal-educada. Acusar, vaiar, exagerar, denunciar supostos golpes, tudo isso é legítimo e faz parte do jogo. O lançamento de ovos avança o sinal, mas deve ser tratado como ilícito de indivíduos específicos, não uma razão para limitar o direito de manifestação.

Vale lembrar que a democracia não tem o condão de eliminar o conflito entre diferentes tendências políticas que existem em qualquer sociedade. Ela apenas procura discipliná-lo, de modo que a disputa pelo poder se resolva por vias não violentas. Tem funcionado.

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