Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu Eleições 2022

Maior risco no Brasil é que ameaça à democracia venha para ficar

Aconteça o que acontecer em outubro, forças que levaram Bolsonaro ao poder não vão desaparecer

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A campanha presidencial do Brasil está em pleno avanço depois do início oficial, em 16 de agosto, colocando o ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra o atual presidente de direita, Jair Bolsonaro (PL).

Lula é o claro favorito para vencer. Com a aproximação do primeiro turno da votação, em 2 de outubro, o ex-presidente lidera as intenções de voto em cerca de 9 pontos.

Nem Lula nem Bolsonaro parecem ter votos suficientes para vencer no primeiro turno, então ambos os candidatos se enfrentarão novamente em 30 de outubro. Uma média de todas as pesquisas atualmente mostra Lula liderando a corrida com uma vantagem de 12 pontos sobre o presidente.

Manifestantes ao lado de tratores na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na véspera dos atos de 7 de Setembro - Gabriela Biló - 6.set.22/Folhapress

'É a economia, estúpido'

Em 2018, Bolsonaro foi eleito com uma plataforma antiestablishment e contra o crime organizado e a corrupção, seguindo as demandas dos eleitores na época. Mas neste ano a questão principal é, de longe, a economia.

Após anos de crescimento fraco, a combinação da pandemia de Covid-19 com a Guerra da Ucrânia e o aumento das taxas de juros nos EUA atingiu fortemente o Brasil —e a América Latina—, levando à disparada da inflação, o aumento do desemprego, a queda da renda real e um aumento da pobreza.

A maioria dos brasileiros está descontente com a deterioração de seus padrões de vida e teme que o pior ainda esteja por vir. Como geralmente é o caso, eles culpam o presidente por seus infortúnios.

Por outro lado, os eleitores avaliam Lula positivamente na economia, pois se lembram dos grandes ganhos socioeconômicos que o Brasil obteve durante seus dois primeiros mandatos —quando os preços das commodities brasileiras estavam em picos históricos— e têm grandes esperanças de que ele possa "make Brazil great again" [fazer o Brasil grande de novo, trocadilho com o slogan da campanha do ex-presidente dos EUA Donald Trump].

Também ajuda o ex-presidente o fato de a corrupção não estar mais no topo da mente dos eleitores –Lula é envolvido em escândalos. Tudo o que Lula tem a fazer é manter a mensagem.

Bolsonaro continua na corrida

Mas não conte ainda com a derrota de Bolsonaro. A economia do Brasil superou as expectativas nos últimos dois meses, com o desemprego recentemente caindo abaixo de 10%, as estimativas de crescimento sendo revisadas para cima e a inflação diminuindo.

Parte disso se deve ao fim das restrições da Covid-19 e ao declínio dos preços globais de alimentos e energia, mas o presidente também contribuiu aumentando os benefícios sociais, reduzindo os impostos sobre combustíveis e aumentando o salário mínimo [sem aumento real].

A recuperação mais forte do que se esperava sustentou o sentimento econômico e ajudou Bolsonaro a diminuir a distância de Lula. Os índices de aprovação do presidente aumentaram para 38% em relação aos 35% de um mês atrás e 30% em janeiro, num sinal de que os eleitores estão sentindo a melhora.

E a maioria dos analistas prevê que a economia se fortalecerá ainda mais nas próximas semanas, o que significa que a candidatura de Bolsonaro está ficando mais competitiva enquanto a campanha entra na fase decisiva.

O presidente passará o resto da campanha ressaltando as conquistas econômicas de seu governo. Embora Bolsonaro não possa fazer campanha diretamente com uma mensagem anticorrupção, pode usar suas credenciais antissistema para manchar Lula, os tribunais, a mídia e o sistema eleitoral como agentes do establishment —acusação que repercute profundamente com a grande parcela de brasileiros que estão fartos dos "negócios de sempre".

Essa é a estratégia que o elegeu em 2018, e a mesma que também ajudou a eleger Andrés Manuel López Obrador no México, Gabriel Boric no Chile e, mais recentemente, Gustavo Petro na Colômbia.

Muito pouco, muito tarde?

Embora a corrida fique mais apertada e algumas pesquisas possam mostrar um empate ou mesmo Bolsonaro à frente, em última análise é improvável que o presidente consiga virar a corrida.

As questões econômicas continuam sendo as principais preocupações dos eleitores; apesar das melhorias recentes, a maioria dos brasileiros ainda está pior do que antes da pandemia —e está cética de que Bolsonaro seja capaz e esteja disposto a mudar isso.

O presidente precisa fazer uma campanha quase perfeita e rezar para que Lula tropece se quiser ter uma chance, mas até agora as entrevistas e o debate televisionado ficaram empatados. Essa é uma má notícia para Bolsonaro, que precisa ganhar terreno —e logo.

6 de Janeiro

Mesmo que o resultado da eleição não seja tão apertado, porém, uma disputa acirrada dará a Bolsonaro mais motivos para alegar que a votação foi fraudada. Ele lançou as bases para esse cenário ao citar suspeitas (infundadas) sobre o sistema de votação eletrônica do Brasil e alertar que a eleição será roubada pelo establishment corrupto. Há anos o presidente também afirma que realmente venceu no primeiro turno em 2018 (ele não venceu).

Portanto, se perder —como provavelmente perderá—, Bolsonaro quase certamente contestará o resultado e pedirá que seus apoiadores saiam às ruas para anular a votação, assim como fez Donald Trump no 6 de Janeiro nos EUA.

As manifestações podem se tornar violentas. As chances de sucesso, no entanto, são igualmente próximas de zero. O Brasil não tem mecanismos legais para contestar eleições, e os tribunais e os militares defenderiam o Estado de Direito. No final da história, quem vencer será empossado.

O maior perigo é que a ameaça à democracia venha para ficar. A sociedade brasileira está profundamente desencantada com o sistema, e um evento no estilo do 6 de Janeiro em Washington só corroeria ainda mais a confiança. Aconteça o que acontecer em outubro, as forças que levaram Bolsonaro ao poder não vão desaparecer.

As instituições aguentarão na próxima vez que uma crise bater à porta? Não tenho boas expectativas para essa resposta.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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