Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Política nos EUA se tornou disfuncional, e problema se agrava

Há pouco em comum entre eleitores urbanos e rurais, tradicionais e progressistas; milhões apoiam ações violentas

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O medo está em ascensão nos Estados Unidos enquanto a nação derrapa para sua próxima eleição turbulenta. O estado de ânimo é sombrio. Só 23% dos americanos dizem que o país está no "rumo certo", segundo pesquisa do New York Times, e 65% pensam que a nação avança na "direção errada".

O índice de aprovação do presidente Joe Biden está em cerca de 40%, e metade dos eleitores alinhados ao seu Partido Democrata não querem que ele se candidate à reeleição. Também no dia 1º de agosto, o duas vezes impichado ex-presidente Donald Trump foi indiciado pela terceira vez, agora por tentar fraudar o resultado da eleição de 2020. Suas cifras de aprovação nacional são ainda mais baixas que as de Biden.

Apoiadores do ex-presidente dos EUA Donald Trump em comício na cidade de Manchester, em New Hampshire
Apoiadores do ex-presidente dos EUA Donald Trump em comício na cidade de Manchester, em New Hampshire - Spencer Platt - 27.abr.23/Getty Images via AFP

Apesar de tudo isso, uma revanche entre Biden e Trump em 2024 parece cada vez mais inevitável, dada a ausência de alternativas dignas de crédito em seus respectivos partidos. A mesma sondagem do New York Times concluiu que o apoio nacional aos dois candidatos está empatado em 43% para cada um.

Esta é apenas a evidência espantosa mais recente de que, não obstante todo seu dinamismo cultural, energia inovadora e economia resiliente, a política nos Estados Unidos nos últimos 25 anos tornou-se mais disfuncional que em qualquer outra democracia rica –e o problema só está se agravando.

Hoje o país é o que Abraham Lincoln descreveu como "uma família dividida". Há pouquíssimo em comum entre as visões de mundo dos eleitores urbanos e rurais, dos eleitores de valores sociais tradicionais versus os mais progressistas e daqueles que têm visão mais globalista versus os mais populistas.

Como se poderia prever, esses abismos geraram uma polarização profunda entre os políticos eleitos de Washington. Hoje, pelo fato de a discussão política ser tão polarizada, há muito mais sobreposições ideológicas entre os republicanos eleitos mais liberais e os democratas mais conservadores, deixando os políticos com menos incentivos para buscar concessões e colaborações mútuas entre os partidos.

O pessimismo da nação e as fúrias partidárias não são resultados de uma economia que passa por dificuldades nem de ameaças genuínas à segurança da nação. Apesar dos receios de uma desaceleração ou mesmo de uma recessão, a economia americana está com a maior taxa de crescimento e a menor taxa de inflação anual entre o grupo G7 dos países mais industrializados.

O índice de desemprego está no patamar mais baixo desde os anos 1960. A desigualdade econômica, embora ainda seja um problema, vem diminuindo. Em julho, a confiança do consumidor no país chegou ao ponto mais alto em dois anos. Os EUA não sofrem um grande ataque terrorista há anos, e a crise de imigração na fronteira sul do país vem se acalmando. A maioria dos americanos apoia a Ucrânia contra os russos, mas os perigos do conflito, assim como seus piores efeitos econômicos, parecem distantes.

O que os americanos têm sofrido é uma enxurrada tremenda tanto de má informação (injeções não diluídas de propaganda política partidária na mídia) quanto de desinformação (divulgação intencional de informação falsa visando a semear confusão e raiva). Hoje o americano médio consome informação de veículos de mídia, pessoas e instituições que confirmam seus preconceitos. Ele ouve poucas vozes não filtradas que questionem suas ideias preconcebidas sobre a vida na América e no resto do mundo.

Essa tendência foi movida inicialmente pelos talk shows de rádio a partir dos anos 1980, pelos canais de notícias a cabo a partir dos anos 1990, pela blogosfera desde o início dos anos 2000 e agora por algoritmos nas redes sociais. Essa plataforma de mídia mais recente atrai dólares de anunciantes para conteúdos projetados para provocar reações emocionais fortes, um processo que é fundamentalmente incompatível com uma sociedade bem informada e emocionalmente sadia.

É um modelo de negócios que maximiza os lucros com o uso de bots e trolls, promove o extremismo e espalha informação falsa intencionalmente. Para agravar as coisas, nem as empresas de tecnologia que se beneficiam dessa raiva nem os políticos que levantam fundos de campanha junto aos cidadãos irados têm incentivos para limitar os danos inevitáveis causados à sociedade americana.

Essa tendência enfraqueceu fortemente a confiança pública americana em virtualmente todas as instituições mais importantes do país. Pesquisas recentes revelam que menos da metade dos americanos diz sentir confiança nos policiais, nos médicos, em líderes religiosos, no sistema de ensino, nos sindicatos, nos bancos, em juízes, nas empresas de tecnologia ou na própria mídia.

Mas os efeitos do partidarismo ferrenho alimentado pela má informação e a desinformação nos EUA não se limitam a resultados de eleições ou discussões políticas. Hoje os americanos são muito menos propensos a formar ou manter amizades estreitas ou a namorar pessoas adeptas do partido político oposto. Em 1960, só 4% dos americanos diziam que ficariam infelizes se seu filho se casasse com alguém que apoiasse outro partido; em 2021, já eram 40% a pensar assim. Hoje apenas 4% dos casamentos ocorrem entre uma pessoa republicana e uma democrata. A política tornou-se tribal como nunca antes.

Por fim, a polarização não é um problema apenas dos americanos. Aliados e parceiros dos EUA sabem que não podem confiar que o próximo presidente siga o caminho traçado pelo chefe atual do Executivo.

Ao longo da história moderna do país, os principais partidos têm se alternado no poder em Washington. Mas no passado, republicanos e democratas concordavam que as alianças dos EUA eram cruciais para a segurança do país, que o comércio internacional fomentava a prosperidade e que era preciso proteger a integridade das instituições políticas mais importantes da América. Essas certezas deixaram de existir.

As diferenças entre Biden e Trump –e entre os eleitores democratas e republicanos— em torno da identidade da América e seu papel no mundo estão se tornando cada vez maiores e mais nítidas.

Mais um sinal altamente preocupante que merece ser observado: segundo uma pesquisa publicada em junho pela Universidade de Chicago, 12 milhões de americanos dizem que apoiariam medidas violentas para ajudar a reconduzir Donald Trump ao poder e 22 milhões de americanos afirmam que a violência seria justificada se pudesse restaurar os direitos ao aborto que foram restritos pela Suprema Corte.

Em suma, 2024 será um ano perigoso para a política nos Estados Unidos e para os relacionamentos da nação em todo o mundo. Mas o impacto tóxico da mídia nacional polarizada garante a permanência desses problemas, seja quem for o vencedor em novembro de 2024.

Tradução de Clara Allain

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