José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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De perto ninguém é normal

Folha mostra cracolândia do alto e se distancia do desastre humano

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Duque de Caxias a cavalo empunha a espada. A estátua do patrono do Exército é imensa, mas o bloco de granito que a hospeda é ainda maior, desproporcional. O conjunto todo tem mais de 40 metros, mas, à altura dos olhos, é o pedestal o que chama a atenção de quem está na praça Princesa Isabel.

A assimetria só aumenta com o recuo sem acabamento e sem jardim que circunda o monumento. São Paulo cuida mal de seus espaços públicos, mas este parece fora de esquadro desde a concepção.

Leitores da Folha, na última semana, viram Caxias de perto. Uma série de imagens da praça foi feita a partir de um drone. O local estava no noticiário por abrigar a nova cracolândia, depois que o reduto anterior, a poucos quarteirões dali, fora desmobilizado em março pela polícia ou pelo tráfico, as versões coabitam na imprensa. Na quarta-feira (11), porém, eram policiais e agentes públicos que cercavam a área. A tática de turno é dispersar os usuários e evitar a qualquer custo as aglomerações, que viabilizam o consumo de drogas e o trabalho dos traficantes. O problema está no a qualquer custo, algo que o jornal até sábado (14) pouco discutiu, privilegiando o relato factual do caos.

A higiene na praça foi bem-sucedida. As imagens do alto mostravam o espaço cheio de tendas e sujeira, depois apenas com sujeira e, já na quinta-feira (12), limpo. O comparativo passou dois dias seguidos em posição de destaque no site do jornal e foi parar na Primeira Página do impresso.

O grande retrato da cobertura, no entanto, estava na capa de Cotidiano. Na praça, o enquadramento agora terreno do fotógrafo Danilo Verpa esquecia Caxias e mostrava uma massa de gente sentada no chão em torno do bloco de granito. Muitos olhares perdidos sob a ordem de guardas municipais. Aquilo que de longe parecia sujeira de perto se traduzia em gente.

Ilustração de um drone branco carregando um F azul, semelhante ao do logotipo da Folha. Ele está sobrevoando um mapa laranja da cidade de São Paulo dividido por regiões (Norte, Leste, Sul, Oeste e Centro). O fundo é todo branco.
Carvall

Há tempos que drones são usados para registrar as confusões da cracolândia. O motivo principal obviamente é a segurança, mas a dinâmica de disputa territorial torna o acompanhamento aéreo esclarecedor. Drones nos últimos anos provocaram uma revolução no jornalismo visual, permitindo flagrantes antes impossíveis ou extremamente dispendiosos (a bordo de aviões e helicópteros) e uma nova dimensão estética.

Conseguir ver a floresta, como se diz, é ganho importante na apuração e na apresentação de reportagens. Tanto que é difícil hoje em dia abrir jornal ou acompanhar noticiário de TV e internet sem se deparar com alguma imagem feita por câmeras instaladas em aparelhos que voam.

Se alterar o ponto de vista geralmente traz vantagens, afastar-se demais do objeto a ser retratado também pode gerar efeitos colaterais. A Folha fez uma clara opção editorial ao mostrar o problema de longe e priorizar a solução imagética, a liberação e a limpeza da praça. Tudo isso era para ser apenas digressão semiótica do ombudsman, mas, na sexta-feira (13), o jornal publicou o editorial "Além da repressão". Ao analisar a questão, além de defender o amparo aos dependentes, a Folha frisou que "retomar espaço ocupado pela cracolândia é dever".

Horas antes, policiais civis atiravam em usuários em plena avenida Rio Branco. Uma pessoa foi morta. Uma praça limpa não vale tanto. Muito menos Caxias.

Nomes aos bois

Reportagens recentes da Folha discutiram o impacto de certos empreendimentos em áreas ambientalmente sensíveis. Uma delas falava de índice criado para acompanhar a saúde de bacias na Amazônia, a outra discutia a polêmica em torno de projeto de mineração na serra do Curral, nas cercanias de Belo Horizonte, que estaria ameaçando o abastecimento de água na capital mineira.

Cinco hidrelétricas são citadas na primeira história, assim como a mineradora na segunda. Nenhuma linha, porém, é escrita sobre seus proprietários. Por que não lembrar quem são os donos, por exemplo, de Belo Monte, cuja bacia é uma das mais afetadas segundo o levantamento? Ou de quem é a empresa que virou vidraça nas sabatinas que Folha e UOL promoveram com candidatos ao governo de Minas?

É bom saber com quem se está lidando. Revelar nomes é trazê-los para o debate, gerar responsabilização ou pelo menos dar chance aos leitores de fazerem suas conexões.

A última semana teve um caso exemplar nesse sentido, com um título absolutamente direto: "Quem é o empresário que lidera a corrida pelo ouro em terras indígenas", texto da Repórter Brasil, reproduzido pela Folha. Para quem não leu, o nome dele é Paulo Carlos de Brito Filho, proprietário da conceituada vinícola Guaspari, no interior de São Paulo.

Faz diferença saber seu nome? Faz, e ele parece saber disso, pois suas empresas desistiram de 95 pedidos de exploração após a reportagem.

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