Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Tratar esporte com graça não pode significar excluir investigação

Terá independência o jornalista que anuncia cerveja ou faz propaganda de governos?

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Há exatos dez anos morria o genial humorista português Raul Solnado.

Na década de 1960 fez muito sucesso por aqui, na tela da TV Record, a Globo de então.

Torcedor do Belenenses, sofria mais que se alegrava, apenas uma vez campeão nacional, em 1945/46, ainda aos 17 anos.

"Quando o Belém perdia, sofria imenso, mas quando ganhava a alegria dava para três dias", contou.

O colunista da Folha Juca Kfouri, em encontro dos colunistas do jornal
O colunista da Folha Juca Kfouri, em encontro dos colunistas do jornal - Eduardo Knapp/Folhapress

Daí fazer piadas com os rivais, como com o dominante Benfica.

Numa delas, depois do adversário ter sido goleado, sacou: "Nesse dia o goleiro jogou de costas. Se chamava Costa Pereira".

O grande guarda-metas benfiquista, e da seleção lusa, era objeto frequente de suas brincadeiras.

Solnado dizia que, ao ver um prédio pegando fogo, o goleiro segurou na calçada uma criança que havia se jogado. De tão aplaudido pelas pessoas que testemunhavam o incêndio, a devolveu aos ares, como se batesse um tiro de meta...

Hoje, seria considerado de péssimo gosto.

Futebol e brincadeira andam juntos desde sempre.

Daí a vê-lo mais como entretenimento vai enorme diferença.

No futebol lava-se dinheiro a rodo, dada a intangibilidade do valor dos jogadores.

Quanto vale Lionel Messi? 500 milhões de euros?

Parece um bom preço.

Mas, espera aí, anos atrás o Real Madrid pagou 100 milhões de euros por Gareth Bale.

Messi vale só cinco Bales? Não, vale mais! No mínimo dez Bales.

E se Messi vale um bilhão de euros, quanto valeria Pelé?

Temos também os megaeventos, Copas do Mundo, Olimpíadas, até Jogos Pan-Americanos.

 
 

A rara leitora e o raro leitor já ouviram falar? Soa familiar?

Ora, cabe ao jornalismo esportivo estar atento a tudo isso. E por estar é que tantos malfeitos foram e têm sido revelados.

Pense, porém, no jornalista que anuncia cerveja ou faz propaganda de governos.

Terá ele independência para denunciar os bastidores da seleção, ou do evento, patrocinados pela companhia cervejeira, ou organizado pelo governo?

O conflito de interesses é tão claro que envergonha o Brasil não só o tema ainda ser discutido como, pior, cada vez haver mais complacência com a confusão entre jornalismo e publicidade, a ponto de existir quem fale em "jornalismo publicitário" –talvez por achar que "publicidade jornalística" seja descaramento demasiado.

A crise econômica é grave, os veículos sofrem com a queda da essencial receita publicitária, as novas plataformas impõem desafios ainda não resolvidos, mas nem por isso a credibilidade de meios e de profissionais pode mergulhar num vale tudo autofágico.

Nenhuma mesa redonda esportiva resiste sem bom humor, e seriedade não se confunde com chatice, já dizia o Conselheiro Acácio.

Aqui mesmo já se recomendou "tomar chá de cadeira à espera da queda de Ricardo Teixeira" –até que aconteceu.

Ou "tomar água da bica, a água que o colunista indica", até que ele descobrisse que existia uma cachaça com a marca, o que o levou a fazer propaganda das "Casas Decimais, precisão absoluta em resultados esportivos" e do "Banco da Praça, que para você trabalha de graça".

Mas tudo tem limite. Ou deveria ter.

Imagine Janio de Freitas recomendando companhia aérea.

Ou Elio Gaspari, que nem dirige, fazendo anúncio de automóvel.

Que Roberto Carlos, o cantor, não o ex-lateral esquerdo, tenha feito campanha de carne sendo vegetariano entrou para o folclore e tudo bem.

Mas jornalista...

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