Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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O futebol não foge à regra do racismo estrutural brasileiro

Só um branco brasileiro foi eleito craque número 1 do mundo, mas fora de campo...

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Didi, Mané Garrincha, Pelé, Romário, Ronaldo Fenômeno, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Marta têm três coisas em comum: foram eleitos os melhores do mundo, nasceram no Brasil e com a pele negra.
Branco, só um, Kaká e, sem demérito, o menos genial.

O futebol brasileiro e a seleção brasileira devem seu prestígio ao que eles e ela fizeram pelo gramados do planeta bola.

Mas quantos treinadores negros comandaram a seleção brasileira em Copas do Mundo? Nenhum!

Quantos são os técnicos não brancos na Série A do Campeonato Brasileiro? Apenas dois, Vanderlei Luxemburgo e Jair Ventura.

E dirigentes? Outra vez, nenhum!

Homem com blusa de frio em gramado, com os braços abertos, reclamando
Jair Ventura, técnico do Sport, em jogo contra o Grêmio, em Porto Alegre, pelo Campeonato Brasileiro - Diego Vara/Reuters

Treinador brasileiro em Copas do Mundo só um, Didi, o mesmo Didi eleito o melhor jogador da Copa de 1958, na Suécia. Ele dirigiu o selecionado do Peru, em 1970, no México. ​

Alguma coisa está fora da ordem, fora da velha ordem nacional, diria Caetano Veloso.

Não é estranho que numa população majoritariamente negra só os brancos ocupem cargos de direção nas entidades do futebol e quase só estes dirijam times à beira dos gramados?

Temos hoje, na Série A, mais estrangeiros, Domènec Torrent, Eduardo Coudet e Jorge Sampaoli, do que negros.

Nada contra o catalão e os dois argentinos, muito ao contrário, que venham mais para oxigenar nossos professores resultadistas. Registremos, apenas, a estranheza.

Ou constatemos que o futebol não foge à regra do racismo estrutural vigente no país há 520 anos.

Árbitros negros também são eloquente minoria.

Como ocorre no topo das profissões mais prestigiadas, nas universidades e na política brasileiras.

Já as mulheres, os negros do mundo, o escravo dos escravos, como cantou John Lennon, aos poucos, ocupam seus espaços, menos, ainda, as negras.

Daí, aleluia!, é hora de saudar, quem diria?, a CBF, que pôs duas mulheres, uma preta, Aline Pellegrino, no comando do futebol feminino. Ela e Duda Luizelli dirigirão a seleção e as competições femininas, com a saudável novidade de diárias e premiações iguais às dos homens.

É ainda pouco no que diz respeito a gênero e quase nada em relação à raça, primeiro passo, embora melhor que nada.

São processos, bem sabemos, e urge apressar os que dizem respeito à questão racial, porque é absurdo o descaso ao legado do Rei Pelé e companhia.

Nem se trata de exigir aqui o que acontece hoje na NBA, porque muito se deve ao desnível educacional entre lá e cá.

Desnecessário lembrar que nem a política de cotas encontra consenso no país, apesar da dívida social com negros e indígenas.

Agora, deixemos bem claro: exigir heroísmo com o pescoço alheio é fácil e cômodo e não se pode ignorar que os atletas, em regra, são seres autocentrados, voltados para os próprios umbigos, preocupados em bater recordes, em ganhar o próximo jogo, em aproveitar o tempo relativamente curto das carreiras.

Daí ser comum reproduzirem o discurso histérico da segurança, do carro blindado, da manutenção do patrimônio acumulado etc, de costas ao descalabro da letalidade policial, que mata um jovem negro a cada oito horas no Brasil.

O sistema educacional brasileiro tem sido incapaz de formar cidadãos entre os excluídos, motivo para vivermos às voltas com preconceitos de todos os tipos estimulados pela Casa-Grande disposta a manter a Senzala subjugada eternamente.

Alguma coisa, no entanto, se move. Força!

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