Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Figuras de ídolo e herói no esporte não devem ser confundidas

O primeiro é apenas uma imagem que se adora como se fosse a própria divindade

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Há mais de duas décadas persigo um tema que poderia ser apenas uma tese, mas vocês verão que pode ser muito mais do que isso.

Quando comecei a fazer meu doutorado, queria compreender como se dá a formação da identidade do atleta e a relação dessa força com o mito do herói. Eu ficava muito incomodada com a facilidade com que os comentaristas e palpiteiros se referiam a um jogador, basicamente do futebol, depois de marcar muitos gols, como herói.

Parece automática a relação, mas apenas parece, uma vez que o mito do herói é bem mais complexo do que uma referência aos vitoriosos.

O herói é uma figura mítica que se manifesta em todos as culturas. Se apresenta com roupagens próprias de cada grupo social, entretanto carrega a marca de alguém que precisa cumprir uma longa jornada até alcançar seus objetivos.

Tem como característica comum a mortalidade de nós humanos e a marca da existência na realização de um feito incomum. Daí, a confusão com os deuses, estes sim imortais, independentemente de gestos altruístas ou vilania suprema. Sua jornada só termina quando ele pode retribuir à sociedade tudo aquilo que somou ao longo de sua aventura.

No caminho dos heróis estão inúmeros desafios que implicam coragem, respeito, compaixão. Só então acontecerá o reconhecimento como alguém que tinha habilidades fora da média e precisava buscar um caminho onde isso pudesse ser reconhecido como algo especial. Se carregam a imortalidade por seus feitos, são também demasiadamente humanos nas virtudes e nos defeitos.

As semelhanças com a trajetória de atletas não são casuais. E quanto mais atletas conheço e compartilho trajetórias, mais reforço a minha tese.

Entretanto é preciso ter muito cuidado para que o herói não seja confundido com um ídolo.

Ídolo é apenas uma imagem que se adora como se fosse a própria divindade. Tem o sentido de uma figura por quem se tem adoração, um simulacro. Está associado a poderes sobrenaturais, e daí que idolatria é uma prática de adoração de ídolos.

Edgar Morin se refere a esses tipos como olimpianos e compreende que tanto atletas quanto artistas usufruem dessa condição, principalmente porque têm os meios de comunicação a lhes conferir um status que sustenta a própria mídia. Qualquer semelhança com comportamentos de torcedores não é mera coincidência.

Tudo isso para dizer que 2020 foi pródigo em apresentar heróis e ídolos.

Atletas como Colin Kaepernick, Carol Soberg, Naomi Osaka, Damiris Dantas, Lewis Hamilton, Gerson, LeBron James, além do técnico Roger Machado, fizeram uso de suas imagens de pessoas que buscam todos os dias a perfeição —que não é humana— e chamaram a atenção do mundo para o que está acontecendo em seus países ou cidades.

Combatendo o racismo, ou a discriminação de gênero, acusando o descaso com o país ou com a saúde da população, mostraram que o jogo desses atletas heroicos está para além das quadras, campos, piscinas, ginásios.

Volto a repetir que não há esporte sem a figura espetacular do atleta. Sendo assim, não há como querer separar o esporte da política, razão de ser da vida em sociedade.

E assim são os verdadeiros heróis do esporte. Encantam por suas habilidades na competição, mas também por tudo o que fazem pelo seu país ou grupo social.

Do outro lado estão os ídolos que vivem de vender a própria imagem. Fazem crer que são divinos, mas, atentos ao próprio umbigo, buscam satisfazer egoisticamente aos seus desejos, ainda que mais de mil pessoas estejam morrendo diariamente, apenas no Brasil.

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