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Lucila Nejamkis

Nesse ritmo, levaremos quase 300 anos para alcançar a igualdade de gênero

Aspecto central da desigualdade, trabalhos de cuidado não remunerados são desproporcionalmente absorvidos pelas mulheres

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Lucila Nejamkis

Professora na Universidade Nacional de San Martín (Unsam) e na Universidade Nacional Arturo Jauretche. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires (UBA) e pesquisadora do Conicet (Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas) no Idaes/Unsam. Especializada em migração, gênero e direitos humanos

Nas últimas duas décadas, a América Latina tem feito esforços para integrar a agenda de gênero. Entretanto, as profundas desigualdades em nossa região se manifestam com mais força nas mulheres e meninas. Um exemplo disso é que as mulheres ainda dedicam mais do que o dobro de tempo ao trabalho doméstico e aos cuidados não remunerados do que os homens, o que se torna um obstáculo tanto para sua independência econômica quanto para o pleno desfrute de seus direitos em igualdade de condições.

Arte ilustra uma mulher sentada em frente ao computador tentando trabalhar. Ela olha para cima. Um bebê embaixo da mesa segura sua perna. AO seu redor, há imagens que remetem à pesquisa científica, como dinossauros sobre organelas celulares.
Arte ilustra uma mulher sentada em frente ao computador tentando trabalhar. Ela olha para cima. Um bebê embaixo da mesa segura sua perna. Ilustração: Lívia Serri Francoio - Instituto Serrapilheira

Embora várias análises tenham tratado esse tema como secundário, a economia do cuidado é um aspecto central para visibilizar as desigualdades patriarcais enraizadas no capitalismo moderno. De fato, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) mostra que o trabalho doméstico e de cuidado não remunerado é vital para as economias da região, representando, em média, 21,3% do PIB, sendo que as mulheres contribuem com 75,5%.

Como aponta o relatório da Oxfam, Desigualdad S.A., publicado em 2024, o trabalho doméstico e de cuidado, não remunerado ou mal remunerado, que as mulheres e meninas assumem, sustenta os lucros das empresas, já que efetivamente subsidiam a economia ao realizar mais de três quartos do trabalho de cuidados não remunerado em todo o mundo. O montante, surpreendentemente, chega a pelo menos US$10,8 bilhões por ano, um valor três vezes maior que o tamanho do setor global de tecnologia.

O que chamam de amor é trabalho não remunerado

O cuidado é o trabalho –remunerado e não remunerado– que ocorre dentro das famílias, a distribuição de tarefas entre os membros envolvidos na produção do cuidado e as interações que estabelecem com outros espaços –estatal, privado e comunitário– de produção e provisão de bens e serviços para o cuidado. É necessário reconhecer que, quando os Estados debilitam as instituições que prestam serviços públicos de cuidado, o trabalho de cuidado tende a recair desproporcionalmente sobre as mulheres, sejam elas chefes de família ou não.

Mas as atividades de cuidado, remuneradas ou não, são desproporcionalmente absorvidas pelas mulheres, não só em seus lares, mas também em seus trabalhos, bairros e organizações sociais. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a redistribuição do trabalho de cuidado torna-se, assim, um fator chave para deter o retrocesso da diferença de gênero, promover oportunidades laborais equitativas entre homens e mulheres e evitar a dupla carga.

Na América Latina, 14,8 milhões de pessoas se dedicam ao trabalho doméstico remunerado, e 91,1% são mulheres. Aproximadamente 72,3% delas não têm acesso a um emprego formal. Em seu relatório Desiqualdad S.A., a OXFAM (2024) mostra que para as pessoas mais pobres –geralmente mulheres, pessoas racializadas e grupos excluídos da sociedade– a vida cotidiana se tornou ainda mais difícil. É evidente que as desigualdades de gênero pioram quando se cruzam com outras desigualdades, como idade, etnia, nacionalidade, condições ambientais e socioeconômicas, entre outras.

Assim, as desigualdades de gênero na área de cuidados são outra dimensão que mostra que estamos longe de cumprir o Objetivo 5 da Agenda 2030 sobre igualdade de gênero. Em relação ao exposto acima, António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, declarou que "Estamos na metade do prazo para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que termina em 2030, e corremos sérios riscos de não alcançá-los. Nesse ritmo, serão necessários quase 300 anos para alcançar a igualdade de gênero. As melhorias na saúde materna e no acesso ao planejamento familiar avançaram de forma surpreendentemente lenta.

Chaves para enfrentar a crise de cuidados

Em 2022, para refletir sobre os efeitos da pandemia de Covid-19 na economia do cuidado, uma equipe de especialistas da América Latina reunida pelo Centro Internacional de Pesquisa para o Desenvolvimento (IDRC) do Canadá e pela Southern Voice elaborou um documento para considerar possíveis respostas à chamada "crise do cuidado" em nossa região.

Segundo esse trabalho, o atraso na instalação de um sistema integral de cuidados tem impactos decisivos sobre a equidade e a igualdade de direitos entre homens e mulheres, na inserção laboral das mulheres, sobretudo, mas não exclusivamente, daquelas com renda mais baixa, e sobre as possibilidades de as famílias de baixa renda saírem da pobreza.

Para conseguir algumas transformações nessas desigualdades, os pesquisadores propõem: reconhecer e visibilizar os trabalhos de cuidado, redistribuir as responsabilidades no trabalho de cuidado não remunerado, criar uma cesta básica de cuidados que ajude a quantificar essas tarefas, favorecer a representação na negociação coletiva da economia do cuidado, entre outras coisas.

Avançar nessas abordagens pode ser uma das chaves para gerar uma sociedade mais justa em termos de redistribuição das tarefas de cuidado e, portanto, avançar na igualdade e equidade de gênero.

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