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Desigualdade climática: um desastre nada natural

Elite econômica é a que mais contribui com emissões de carbono, mas a que menos se responsabiliza pelo efeitos

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Lise Josefsen Hermann

Jornalista freelancer dinamarquesa radicada no Equador

Carlos G. Aguilar

Coordenador Regional de Justiça Climática da Plataforma da Oxfam para a América Latina

Por décadas, a América Latina tem sido a região mais desigual do planeta. Ademais, é altamente vulnerável ao impacto das mudanças climáticas, apesar de suas emissões totais representarem aproximadamente 8,3% das emissões globais. Isso é especialmente evidente em áreas estratégicas, como a Amazônia e a América Central, cruciais para o controle de recursos produtivos e energéticos. Há uma clara assimetria entre as emissões e a forma como as vulnerabilidades são geradas e perpetuadas na região.

Pesquisas mostram que as populações empobrecidas são mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, ao mesmo tempo que emitem menos carbono do que os grupos de renda mais alta. A análise da Oxfam sobre a desigualdade de carbono em 2020 mostrou que os 10% mais ricos da população mundial não são só responsáveis por 46% do crescimento das emissões entre 1990 e 2015, mas também usarão o que falta do orçamento de carbono até 2030.

O simples reconhecimento de um modelo de desenvolvimento insustentável já não é suficiente. É imperativo admitir a existência de uma dívida climática que divide os países desenvolvidos e os empobrecidos. Essa dívida também se manifesta internamente nos países, refletindo a crescente desigualdade, que se expressa em impactos sociais e ambientais distribuídos de forma assimétrica entre a população, como ondas de calor e secas. Ela também se manifesta no acesso desigual a bens comuns, como água e terra. Por fim, é evidente nas injustiças relacionadas às responsabilidades de financiamento e reparação. É hora de abordar essas questões de frente.

Anta morta pelo fogo em uma mata às margens do rio Paraguai, na fazenda Santa Tereza, na região da Serra do Amolar, no Mato Grosso do Sul. A fazenda, que já havia sido devastada pelos incêndios que atingiram o Pantanal em 2020, teve quase toda a sua área queimada novamente neste ano - Lalo de Almeida/Folhapress

Assimetria dos impactos


O Escritório Regional do OCHA para América Latina e Caribe tem insistido que os eventos climáticos estão aumentando os riscos e a vulnerabilidade justamente onde a pobreza, a desigualdade, a escassez de alimentos e a violência estão concentradas. Esses aspectos, somados a fatores como o deslocamento forçado e as ações das indústrias extrativas, estão afetando a capacidade das populações locais de se preparar e responder adequadamente à atual emergência climática. Essa situação afeta de maneira particular as mulheres e as meninas, que também enfrentam riscos e agressões diferenciados, muitas vezes com o objetivo de minar sua liderança e o exercício de seus direitos.

Por outro lado, milhares de pessoas sofrem de insegurança alimentar moderada ou grave na América Latina. Eventos climáticos extremos, como secas e altas temperaturas, estão afetando as colheitas e o rendimento do solo. A fome em El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua passou de afetar 2,2 milhões de pessoas em 2018 para quase 8 milhões em 2021. Segundo o Programa Mundial de Alimentos, esse aumento está relacionado à crise da Covid-19, mas também a fatores climáticos extremos. Vale lembrar que o impacto dos furacões Eta e Iota afetou cerca de 9 milhões de pessoas e deixou aproximadamente um bilhão de dólares em danos materiais nos países da América Central e no México.

Acesso desigual a bens comuns

O acesso a um recurso vital como a água também é gravemente afetado pela crise climática. O desmatamento, a superexploração, as mudanças no uso da terra, a expansão da urbanização, as atividades produtivas intensivas (como a agricultura industrial e a pecuária) e a mineração contribuem para o estresse hídrico na região. O estresse hídrico e as secas resultantes tendem a agravar as desigualdades ligadas ao acesso à água. Pesquisas para o período de 1970-2019 indicam que cerca de US$ 28 bilhões foram perdidos devido às secas na região. O estresse hídrico também tem um grande impacto sobre a energia, pois mais da metade da eletricidade da região vem de usinas hidrelétricas.

A cidade de Lima, com uma população de mais de 10,2 milhões de habitantes, é uma das cidades mais áridas do mundo, com chuvas de menos de 15 mm por ano. É abastecida principalmente pelas bacias hidrográficas dos rios Rimac (em cujas cabeceiras está sendo desenvolvido um projeto de mineração), Chillon e Lurin, que nascem nas montanhas nevadas e nas geleiras da Cordilheira dos Andes. A extensão desses rios diminuiu em 43% nos últimos quarenta anos, como resultado do derretimento das geleiras causado pelo aumento da temperatura. Recentemente, houve racionamento de água e eletricidade nas principais cidades, como Bogotá e Quito.

Responsabilidades de financiamento e reparo

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertou que os impactos de eventos hidrometeorológicos extremos serão mais frequentes e intensos. Como resultado, as perdas e os danos estão aumentando a nível exponencial. Trata-se de cultivos, infraestrutura e de vidas humanas e animais que têm seus meios de subsistência e direitos prejudicados. Embora o Acordo de Paris reconheça a importância de evitar, minimizar e abordar as perdas e danos, o progresso até o momento tem sido limitado pelo compromisso limitado dos países desenvolvidos em termos de responsabilidades e financiamento.

O financiamento –quando fornecido– é em forma de ajuda, principalmente com seguro, apoio humanitário e empréstimos. Mas a ajuda é voluntária, baseada na caridade e, muitas vezes, no interesse próprio de investimentos ou negócios existentes em países empobrecidos. Sabemos que muitas empresas e negócios em países desenvolvidos usam vários mecanismos de "responsabilidade corporativa" para encobrir suas ações e impactos nos territórios afetados. O debate sobre perdas e danos defende a necessidade de reparação por parte dos países desenvolvidos. Baseia-se na necessidade de que o fundo adotado em negociações internacionais e atualmente sob a responsabilidade do Banco Mundial atue a partir de um princípio de justiça: aqueles que mais contribuíram para a situação de emergência estão em dívida com os países e as comunidades menos responsáveis e mais afetados pela atual crise climática.

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