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Stela Herschmann

Hora de pagar a dívida do clima

Melhor maneira é tirar dinheiro da economia fóssil e investir em energia limpa

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Stela Herschmann

Assessora de Política Internacional do Observatório do Clima e cofacilitadora do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente, Justiça Climática e Transição Energética Justa do C20

Em novembro deste ano, as montanhas do Cáucaso e as praias do Brasil serão palco de um ajuste de contas crucial para o futuro da espécie humana. Em Baku, no Azerbaijão, a 29ª Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU (COP29) terá de aprovar uma nova e radical meta de financiamento do Acordo de Paris, sem a qual a transição energética necessária para nos salvar da crise climática não ocorrerá. Ao mesmo tempo, os líderes do G20, reunidos no Rio de Janeiro, precisarão chegar a um acordo político que garanta que o mundo terá instituições financeiras capazes de entregar essa nova meta.

Há mais de três décadas o financiamento é o elefante na sala do combate à crise do clima. Os países do Norte Global, causadores históricos do problema, cobram corte de emissões nos países do Sul, mas recusam-se a pagar por isso, o que trava as políticas de energia limpa e desestimula a ambição. No ano que vem, a COP30, no Brasil, deve marcar um novo ciclo de metas alinhadas à necessidade de estabilizar o aquecimento global em 1,5ºC neste século. A chance de que isso ocorra sem dinheiro na mesa é zero.

Casas e lojas são cobertas pela água de enchentes na região de Dolow, na Somália, após fortes chuvas atingirem o leste africano - Hassan Ali Elmi - 25.nov.2023/AFP - AFP

Em Paris, em 2015, os ricos prometeram (e jamais entregaram) US$ 100 bilhões por ano entre 2020 e 2025, uma fração do custo estimado da transição —US$ 5,8 trilhões até 2030, pelo menos. Um novo objetivo de financiamento, adequado à realidade, deveria entrar em vigor a partir de 2025. Para isso, precisa ser aprovado na COP29. Mas o contexto institucional atual dificulta a tarefa.

As instituições financeiras criadas no pós-guerra, como o Banco Mundial e o FMI, reproduzem a lógica colonial que divide o mundo em norte e sul e aprisiona este último em dívida e desigualdade. Segundo o FMI, apenas em 2022 o mundo em desenvolvimento pagou US$ 443 bilhões em juros de dívida externa. O estoque total de dívida chega a US$ 1,1 trilhão.

O aquecimento descontrolado da Terra adiciona uma camada de perversidade a essa situação: cada vez mais, países pobres e de renda média precisam recorrer a empréstimos para lidar com os impactos de eventos extremos. Quanto mais endividados, menos capazes de cortar emissões e de se adaptar eles se tornam.

Se são devedores no espaço fiscal, os países em desenvolvimento são credores no espaço atmosférico. Pelo menos uma estimativa do que as nações ricas devem por sua apropriação indevida do orçamento de carbono da humanidade durante dois séculos põe a conta em US$ 192 trilhões até 2050. Esse débito não é monetizado porque as regras do sistema foram escritas pelos ricos. Se quiser sobreviver à crise climática, a humanidade precisará reescrevê-las —e o G20 é um lugar para começar.

O comunicado dos líderes do bloco precisa reconhecer a dívida climática e demonstrar acordo sobre como pagá-la por meio de uma série de medidas, como: a reforma da governança dos bancos multilaterais e instituições financeiras globais, eliminando o viés colonial e garantindo representação adequada do Sul Global; cancelamento de dívidas externas e um financiamento ao desenvolvimento que não implique mais endividamento; uma reforma do sistema tributário, incluindo, urgentemente, impostos sobre grandes fortunas; e uma eliminação justa e acelerada do financiamento aos combustíveis fósseis, com a provisão de recursos adequados para o corte de emissões e a adaptação climática.

O mundo precisa eliminar os combustíveis fósseis do sistema energético a partir desta década, e o melhor jeito de fazê-lo é tirar dinheiro da economia fóssil e investi-lo em energia limpa —esperar que o mercado faça isso sozinho é apostar contra a humanidade.

Atuando nessas frentes, o G20 pode criar o ambiente político para um acordo forte na COP29, limpando o terreno para o sucesso da COP30, no Brasil. É impossível hoje lutar contra a desigualdade, preocupação central da presidência brasileira do G20, sem resolver a emergência climática. E é impossível resolver a emergência climática sem garantir financiamento justo e acessível a bilhões de pessoas que necessitam dele no mundo inteiro.

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