Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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Um sentimento de injustiça paira no ar

Lambanças de Alexandre de Moraes tiraram legitimidade desta eleição e deram força a protestos

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Dê a um homem pacato uma narrativa de injustiça, convença-o de que ele ou seu grupo foram oprimidos e que é preciso castigar os injustos para o mundo voltar ao eixo: em pouco tempo ele será tomado pelo ódio. No melhor dos casos, fechará rodovias ou derrubará estátuas de personagens históricos; no pior, participará de matanças.

Muita gente tem se perguntado por que tantos brasileiros participaram de protestos e fecharam estradas contra o resultado da eleição. Fala-se do silêncio do presidente, da difusão de fake news, de um caráter nacional autoritário. Pode haver uma dose de verdade nessas explicações, mas não se pode esquecer que um forte sentimento de injustiça paira no ar.

Bolsonaristas se manifestam contra resultado das eleições em São Paulo - Jardiel Carvalho - 2.nov.22/Folhapress

Humanos são animais morais com uma sensibilidade extrema à injustiça. Se uma pessoa comete um crime e não é punida por isso, é como se a balança moral estivesse desequilibrada, como se o mundo estivesse fora do trilho necessitando a nossa intervenção para corrigi-lo.

Com frequência sacrificamos nosso próprio interesse para fazer justiça. Se começa a chover e o dono da banca da esquina dobra o preço do guarda-chuva, alguns preferem passar o dia molhados a referendar o que consideram oportunismo do dono da loja. Em experimentos envolvendo dilemas sociais, como o Jogo do Ultimato, voluntários preferem não ganhar nada a aceitar divisões desiguais.

Há quem sacrifique não só alguns reais, mas a própria vida para reparar injustiças momentâneas. Depois de ser humilhado, o rapaz volta ao bar com um revólver —acaba preso por homicídio não porque não sabe que matar é errado, mas porque é intolerante demais à injustiça. Não leva desaforo para casa, não tolera humilhações, tem uma necessidade incontrolável de vingar ofensas.

Ideólogos conhecem muito bem o poder de mobilização do sentimento de injustiça. Muitas ideologias (algumas difundidas aqui ao lado) se resumem a histórias de opressão que precisam ser reparadas. Quando a intolerância à injustiça se une à tendência humana de se dividir em grupos antagônicos, a violência se potencializa.

Foi o que ocorreu em boa parte dos genocídios do século 20 —o melhor exemplo talvez seja o de Ruanda, quando integrantes da maioria hutu mataram a faca centenas de milhares de tutsis, então vistos como uma elite privilegiada. Essas matanças não foram praticadas apenas por gente maligna, mas por pessoas comuns que achavam que faziam o necessário para a justiça imperar.

No caso desta semana, não é preciso muito esforço verbal para montar uma narrativa convincente de injustiça. Muitos lembraram que o candidato vitorioso só conseguiu concorrer porque teve inquéritos anulados por motivos processuais; e que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, um antigo aliado de um dos candidatos a vice, agiu de muitas formas, menos com isonomia —o que para muita gente causou um déficit de legitimidade desta eleição.

Se a ideia é pacificar o país, talvez seja bom lembrar que não convém cultivar na população o sentimento de injustiça.

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