A certa altura da segunda temporada de “O Método Kominsky”, dois alunos de Sandy (Michael Douglas) convocados a interpretarem uma cena clássica de comédia apresentam um diálogo da finada “Two and a Half Men”, obra do mesmo Chuck Lorre que assina esta comédia melancólica sobre dois amigos diante da velhice.
O professor então pergunta desde quando aquilo é clássico, desfiando referências de Oscar Wilde ao grego Aristófanes. E é refreado pelo aluno: “Mas onde vejo Aristófanes?”.
Chuck Lorre não é, obviamente, equiparável a Aristófanes (o autor de “Lisístrata”), mas, assim como o grego, conhece o poder cultural e, de certa forma, cívico da comédia de largo apelo popular.
Não é qualquer um que pode citar lado a lado uma obra sua e referências seminais, brincando com a sanha por audiência e a repetição de fórmulas na cultura pop, sem deixar de se autocriticar —Sandy lembra que “Two and a Half Men”, ao pôr sob o mesmo teto um hedonista e um sujeito caxias, é “cópia fajuta” de “The Odd Couple”, de Neil Simon.
E assim cabe a Lorre nos lembrar que a comédia às vezes menosprezada pode ser tão poderosa quanto o drama.
Parece ser esta sua meta em “O Método Kominsky”, cuja segunda temporada estreou na Netflix no mês passado, mantendo o mesmo tom provocador e delicado da primeira. Norman (o maravilhoso Alan Arkin) e Sandy continuam envelhecendo, e a vida nem por isso diminui o passo.
Dinheiro, trabalho, realização e, sobretudo, relacionamentos e seus percalços continuam a encher de humanidade os diálogos dos dois personagens, que se afligem diante da aproximação da morte.
Nas mãos de Lorre, e de Douglas e Arkin, o que podia ser dor vira piadas mordazes. Com todas as ressalvas feitas às piadas às vezes rasteiras do autor, é muito, muito difícil passar mais de duas cenas de suas séries sem rir.
O tom rasteiro, aliás, não deixa de aparecer em “Kominsky” —há suficientes piadas sobre virilidade, vida conjugal e peidos. Mas estão delicadamente costuradas pela seriedade dos assuntos, de forma a lhes reduzir o peso, e pela sensibilidade dos atores.
Além disso, há um elenco de apoio peneirado com esmero.
Além de Nancy Travis (que já foi a mocinha de “Três Solteirões e um Bebê”), a série traz uma participação de Bob Odenkirk (“Better Call Saul”) e resgata Jane Seymour (de “Em Algum Lugar do Passado”, que reinou na Sessão da Tarde dos anos 1980), Kathleen Turner (inesquecível em “Peggy Sue, Seu Passado a Espera”) e Paul Reiser, o Paul de “Mad About You”.
Reiser, aliás, está irreconhecível com os anos e os quilos extras (parte deles, graças à maquiagem) como Martin Schneider, namorado sessentão de Mindy (Sarah Baker).
Além de um afago na alma e na memória de quem já passou dos 40, “O Método Kominsky” é uma bem-vinda reverência a diferentes gerações da TV, mas de um tipo de TV que praticamente deixou de existir ante a mudança provocada pelo streaming. E que ainda pode funcionar.
Os oito episódios da segunda temporada de “O Método Kominsky” estão disponíveis na Netflix
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