Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luciano Magalhães Melo
Descrição de chapéu Mente

Otimismo e pessimismo, uma história dos hemisférios cerebrais

Visões pessimistas são geralmente sustentadas pelo hemisfério direito do cérebro e otimistas são fundamentados pelo esquerdo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A simetria foi considerada item da perfeição. A eficácia do cérebro humano era o espelho de dois hemisférios simetricamente organizados.

À época não passou despercebido que a maioria das pessoas era destra, mas este fato foi desconsiderado. Em 1820, Gottfried Treviranus, médico e fundador da biologia, rompeu com o negligente consenso: "Humanos possuem múltiplas e profundas circunvoluções assimetricamente organizadas em dois hemisférios. Isto é diferente dos cérebros de macacos".

As discordâncias de formatos entre as metades cerebrais causam avanço cognitivo, cujo ápice está em nós. Informações complementares são computadas paralelamente nos hemisférios cerebrais, não em convergência. Desta forma se reduz a redundância, e o desempenho é favorecido.

Ilustração de um cérebro humano
Visões pessimistas são geralmente sustentadas pelo hemisfério direito do cerébro, enquanto pensamentos otimistas são fundamentados pelo hemisfério esquerdo - Pete Linforth por Pixabay

Vertebrados cujos cérebros operam em assimetria estão em vantagem. Pequenas aves utilizam um hemisfério para procurar alimentos, enquanto outro hemisfério vigia a segurança. A especialização dos hemisférios é uma herança evolutiva. A seleção natural pressionou os primatas primitivos a usarem mais das habilidades da mão direita cujo controle está no hemisfério esquerdo. Outra tarefa alocada preferencialmente no hemisfério esquerdo é a linguagem.

Porém há mais: a abordagem fundamental da vida vem assimétrica. Em circunstâncias normais, os dois hemisférios cerebrais compartilham informações para unificar as percepções que temos de nós mesmos e do ambiente, a consciência coesa. No entanto, condições extremas que amplificam, ou reduzem, a atuação de um hemisfério podem modular o pessimismo e o otimismo. As visões pessimistas são geralmente sustentadas pelo hemisfério direito, enquanto pensamentos otimistas são fundamentados, principalmente, pelo hemisfério esquerdo.

Estudos de rastreamento ocular mostraram que os otimistas olhavam para imagens negativas menos do que os pessimistas. Para o exemplo do copo meio cheio ou meio vazio, olharão para o líquido. Em um determinado experimento, voluntários foram apresentados às fotografias de imagens desagradáveis, enquanto seus cérebros eram avaliados por ressonância magnética funcional.

Os participantes eram solicitados a imaginar um desfecho positivo para as cenas fotografadas. Por exemplo, em resposta a uma imagem de acidente automobilístico, os participantes podiam imaginar que tudo era cenográfico, para um bom filme. As estratégias de "pensamento positivo", foram pareadas por maior atividade fisiológica no hemisfério esquerdo.

Pessimistas tendem a acreditar que os eventos em suas vidas são controlados por forças externas, veem-se como agentes relativamente passivos. O sucesso e as conquistas ocorrem, segundo eles, principalmente por sorte, acaso ou por aproximação às pessoas ou instituições poderosas. Neste senso, a probabilidade de uma pessoa ter sucesso por suas próprias ações e esforços é muito baixa.

Em contraste, os otimistas se enxergam como agentes ativos, sentem o controle de seus destinos e confiam na sua capacidade de influenciar o ambiente. Pacientes epilépticos cujas convulsões se originam por alguma lesão no hemisfério esquerdo, consideram-se mais passivos ao mundo e que seus esforços interferem menos no sucesso do que as circunstâncias. O oposto, se o dano for no hemisfério direito.

Sensações otimistas ou pessimistas não são fixas. Em um estudo, a atividade cerebral de universitários era registrada por eletroencefalografia, enquanto os alunos ouviam uma mensagem de rádio que anunciava aumento de mensalidades.

Metade dos participantes foi informada de que a decisão era final. A outra metade foi induzida a acreditar que poderia reverter a decisão, se assinasse uma petição. Essa manipulação criou um grupo composto por estudantes que acreditavam ter controle sobre uma situação negativa, e esta crença surgiu em conjunto com maior atividade de hemisfério esquerdo.

O hemisfério direito está relativamente mais envolvido na vigilância. Põe-se mais preparado para detectar perigos e preparar o corpo para lidar com ameaças. Essa sensibilidade especial é necessária para a sobrevivência, mas tem um lado negativo; implica em destacar o que pode potencialmente dar errado. "Enxerga" mais problemas potenciais do que oportunidades potenciais.

O hemisfério esquerdo, pelo contrário, lida menos com vigilância e mais com estratégias de interferência. O hemisfério direito lhe diz que diante de si há uma floresta, o hemisfério esquerdo lhe diz que há uma árvore. O hemisfério esquerdo lhe dá esperanças para persistir, mesmo se a melhor alternativa for mudar de estratégia.

Dentro da caixa craniana, há fluidez e contradições. Podemos ser pessimistas e otimistas ao mesmo tempo, em relação a diferentes temas da vida. Por exemplo, simultaneamente somos capazes de pensar que estaremos saudáveis e seguros a despeito de imprudências, mas que não teremos um bom ano no trabalho. A dualidade está em nosso cérebro, mascarada em certezas momentâneas. Porém convicções podem estreitar nosso ponto de vista, inibindo o balanço das funções inter-hemisféricas.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.