Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária

Castração química não evita estupro e inocenta os homens de sua culpa

Medida proposta por Clarissa Garotinho é solução médica ineficaz para remediar uma questão sociocultural

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Nesta semana eu vi a propaganda eleitoral da Clarissa Garotinho e descobri que a principal bandeira desta candidata ao Senado é combater o estupro. E por um átimo de segundo eu me vi na delicada situação de concordar com a Clarissa Garotinho, dado que uma mulher é estuprada a cada dez minutos no Brasil.

Desenho de uma mulher envolvida por chamas. ele tem uma tarja preta nos olhos, mao e boca
Ilustração para coluna de Manuela Cantuária de 13.set.2022. - Silvis

E esse dado, que é encarado como um aspecto natural da nossa sociedade, que faz com que mulheres andem com sua chave entre os dedos em uma rua escura, ou peçam um táxi para percorrer um trajeto que a pé levaria três minutos, sendo que nem isso é garantia de que estarão protegidas, pois ainda se sentirão vulneráveis dentro de um veículo na companhia de um homem, enfim, esse dado, essa condição feminina de vigilância constante que ainda assim nunca será suficiente, me fez pensar, por um instante: ponto para a Clarissa.

É quando ela resume sua proposta para erradicar o problem a, um problema que mal cabe no conceito de problema, porque problema, para mim, é o rejunte da pia que está vazando. A cultura do estupro é uma questão muito mais grave e mais desumana do que um problema.

E agora me questiono se usei o termo correto também quando digo que o estupro é desumano. Como se para cometê-lo esse homem fosse um monstro, já que sabemos que a maioria dos estupradores vivem em sociedade, têm família, emprego, amigos e se aproveitam de seus privilégios para cometer um crime hediondo como se fosse uma terça-feira qualquer.

Porque um estupro sempre é brutal, mesmo que ele consista em tirar a camisinha sem avisar no meio do ato sexual, em ou transar com uma amiga que bebeu demais, ou em submeter sua mulher a uma tortura psicológica para forçá-la a satisfazê-lo ainda que ela tenha dado todos os sinais possíveis de que não está disposta.

Mas a proposta da Clarissa para mudar esse estado de coisas é a castração química. Uma solução médica ineficaz para remediar uma questão sociocultural, já que um estuprador não é um doente.

A castração química não protege mulheres, ela protege os homens de se responsabilizarem pelos próprios atos, ela protege um sistema patriarcal que inocenta homens que supostamente não conseguiram controlar seus instintos.

Clarissa, se você não quer ajudar, o problema é nosso, mas não atrapalha, inferno.

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